Democracia Digital

Digitalização e Esfera pública no Brasil

Debate público digital e agenda verde

Pautas emergentes no debate ambiental brasileiro

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1. SUMÁRIO EXECUTIVO

Resumo:
O estudo analisa publicações no Facebook e no Twitter que tratam do tema do meio ambiente, tendo coletado aproximadamente 12 milhões de publicações nessas plataformas, entre os meses de junho e setembro de 2021. O recorte buscou focar em uma nova dimensão do debate ambiental, aquela que se vincula a temas emergentes para uma nova agenda sobre a questão: 1) tecnologias e meio ambiente, 2) agricultura familiar, 3) crise hídrica e questões energéticas, 4) incêndios e danos ambientais e 5) governo, políticas públicas e sociedade civil. Para isso, aplicou-se a metodologia de modelagem de tópicos em todo o texto coletado com o objetivo de fazer emergir os principais assuntos citados. Dos cinco temas selecionados, o que contou com maior número de publicações foi o de tecnologias e meio ambiente, porém uma característica que perpassou todos os outros foi a pouca polarização do debate e uma transversalidade das questões, como por exemplo as discussões sobre população indígena, sobre a crise hídrica e sobre a expansão agrícola.

Palavras-chave:
Agenda verde, meio ambiente, debate público digital, redes sociais.

2. SÍNTESE DOS RESULTADOS

  • Nos cinco temas analisados, a base formada por ambientalistas e perfis de oposição supera, com ampla diferença, a base de perfis alinhados à política ambiental do governo. Estes temas tendem a fortalecer a atuação de redes que operam à margem da polarização que marca o debate ambiental e plataformas digitais.
  • Mais numerosos entre os temas analisados, os posts sobre tecnologias e meio ambiente refletem a transversalidade da pauta ambiental, englobando sub-temáticas variadas como fontes renováveis de energia, moda, consumo consciente, educação ambiental, bioeconomia, emissão de carbono e a agenda política nacional, assim como uma grande variedade de atores envolvidos no debate.
  • Diferentemente de debates marcados por visões antagônicas, no debate sobre agricultura familiar, grupos ligados ao governo e ambientalistas disputam a defesa de pequenos produtores. Posts sobre o tema frequentemente se associam ao debate sobre crise hídrica.
  • A crise hídrica e as questões energéticas expressam as diferentes estratégias empregadas pelos grupos políticos no debate digital. Enquanto o conjunto ligado ao governo se aproxima do debate sobre tecnologias, buscando soluções para a escassez de chuvas e seus impactos, o grupo ambientalista aponta para o desmatamento como principal causa para a seca e para os problemas decorrentes.
  • O debate sobre incêndios é marcado pela articulação das consequências florestais, sociais e urbanas ligadas ao aumento de incêndios.
  • Entre os posts sobre governo, políticas públicas e sociedade civil, nota-se maior polarização em torno da tramitação de projetos de lei em esfera nacional. Debates ligados às esferas estadual e municipal apresentam tom mais favorável às pautas ambientalistas.
  • Com menor beligerância discursiva, os debates analisados permitem o estabelecimento de estratégias menos reativas contra retrocessos ambientais, possibilitando a criação de narrativas e redes que mobilizam sentimentos e práticas mais eficazes para ampliação da pauta ambiental entre a população.

3. APRESENTAÇÃO

Este é o sexto policy paper no âmbito do projeto Digitalização e Democracia no Brasil, uma parceria entre a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) e a Embaixada da Alemanha no Brasil, com vigência entre os anos de 2020 e 2022. A iniciativa compreende uma série de pesquisas aplicadas e iniciativas, como seminários e oficinas, com o objetivo de ampliar a compreensão e buscar resoluções sobre problemas complexos que envolvem a relação entre política, democracia e plataformas de mídias sociais — em especial, o fluxo de mensagens, a discussão pública e a ação coletiva que se baseiam em informações potencialmente enganosas, extremistas e antidemocráticas. O projeto busca somar esforços para construir conhecimento e desenvolver mecanismos para frear ameaças on-line e fortalecer valores democráticos no Brasil.

Os ambientes e plataformas digitais se tornaram espaços centrais para a discussão dos grandes temas sociopolíticos. As urgências e impactos globais referentes ao tema do meio ambiente vêm se evidenciando e ganhando espaço cada vez maior nas conversações on-line, acendendo alertas sobre questões e responsabilidades de cunho social e político.

Na esteira da crescente polarização observada no Brasil nos últimos anos, alguns temas como desmatamento, mudanças climáticas, matrizes energéticas e a luta dos povos indígenas emergem como objetos centrais de disputa e, dessa forma, é possível observar um deslocamento dessa dinâmica polarizada também na esfera pública. Organizações e ativistas ambientais, lideranças políticas e da sociedade civil, atores e órgãos governamentais, bem como aqueles ligados aos setores econômicos mobilizam estratégias digitais a fim de atingirem visibilidade e engajamento da opinião pública.

Há, no entanto, temas e horizontes que se situam em uma camada intermediária em termos de engajamento. Muitas vezes são questões que tocam o cotidiano da população, dos centros urbanos às áreas rurais, e que estão associadas às condições de vida dos brasileiros, mas apenas esporadicamente conseguem expandir o debate para o primeiro plano da arquitetura mais visível das plataformas de mídias sociais. Este trabalho busca explorar os principais atores e narrativas de alguns desses debates.

Para isso, se ancorou em uma análise textual automatizada que agrupou um conjunto amplo de posts sobre meio ambiente publicados no Twitter e no Facebook, entre junho e setembro de 2021, permitindo a identificação de diferentes conjuntos temáticos com diferentes níveis de engajamento e visibilidade.
Os temas selecionados para o aprofundamento qualitativo foram:

1. Tecnologias e meio ambiente
2. Agricultura familiar
3. Crise hídrica e questões energéticas
4. Incêndios e danos ambientais
5. Governo, políticas públicas e sociedade civil

O período em que as bases foram coletadas foi marcado por eventos como a mobilização contra o marco temporal, a agenda de privatização de estatais, a intensificação da seca no país e, por conseguinte, o aumento dos incêndios nos biomas brasileiros, característico do período de estiagem. A concentração nos polos ideológicos, que tem caracterizado o debate ambiental mais amplo, em alguma medida, também se reproduz nesse mapeamento temático. São dignos de nota, todavia, i) a participação relevante de públicos menos engajados em causas ambientais; ii) a forma como esses temas frequentemente aparecem interconectados nas estratégias discursivas; iii) e o protagonismo de atores críticos ao governo federal, relegando a seus apoiadores papel inexpressivo nos tópicos analisados. Diálogos entre a equipe da FGV DAPP e organizações como o Greenpeace e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) foram fundamentais para orientar a definição dos objetivos e casos analisados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Modelagem de tópicos do Twitter e do Facebook

A partir da regra linguística sobre meio ambiente, foram coletadas mais de 10 milhões de postagens no Twitter e 1,6 milhão no Facebook, entre 1º de junho e 20 de setembro de 2021. O mês de setembro serviu como referência para a aplicação da técnica de modelagem de tópicos que, por meio do algoritmo LDA, forma conjuntos de palavras que são utilizadas de modo associado, permitindo a identificação de agrupamentos temáticos em um volume expressivo de texto. Os tópicos, nesse sentido, foram utilizados como elementos exploratórios para adentrar o volume do corpus para além das publicações com maior engajamento.

 

Imagem 1 - LDA do Twitter
Período de análise: 1º de janeiro a 17 de setembro de 2021


. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Para o Twitter, se sobressaíram dez tópicos, que foram analisados como referências para a identificação dos debates que seriam parte do estudo. Entre esses, destacaram-se o tópico dois, que reuniu termos ligados à sustentabilidade, reciclagem e políticas ambientais; e o tópico cinco, que apontou para questões energéticas, com termos como “petróleo”, “emissão”, “gasolina” e “preço”.

Imagem 2 - LDA do Facebook
Período de análise: 1º de junho a 20 de setembro de 2021


. Fonte: Facebook | Elaboração: FGV DAPP

Já no Facebook, os temas de interesse foram selecionados a partir de 28 tópicos. A crise hídrica foi o tema principal do conjunto de termos ligados ao tópico 1, como “água”, “chuva”, “medir”, “região” e “seco”. Questões ligadas a tecnologias e meio ambiente marcaram os tópicos 4 e 17, com termos como “produzir”, “pesquisa”, “tecnologia”, “sustentabilidade”, “desenvolvimento”, “projeto” e “futuro”. A temática sobre incêndios e danos ambientais e urbanos sintetizou boa parte dos termos do tópico 11, como “queimar”, “fogo”, “operação”, “incêndio” e “município”. No tópico 14, por sua vez, constam termos como “município”, “projeto”, “agricultura familiar”, “comunidade” e “secretaria de agricultura”, que foram agrupados em torno da temática de agricultura familiar. Por fim, em convergência com o tópico 5 do Twitter, o tópico 26 do Facebook reuniu termos sobre a questão energética, como “valor”, “energia”, “economia” e “gasolina”.

Após a aplicação da modelagem de tópicos para a seleção dos temas, regras linguísticas específicas foram criadas, com o objetivo de municiar as análises qualitativas subsequentes.

2) Pautas emergentes

2.1 – Tecnologias e meio ambiente

O debate sobre tecnologias e meio ambiente no Facebook acumulou 94.883 publicações, postadas em 24.837 grupos e páginas públicas, que atraíram 6.835.399 interações. O debate envolveu perfis variados de atores, incluindo empresas e veículos de informação, políticos, organizações governamentais e não-governamentais, universidades e outras instituições educacionais, indústrias e marcas de diferentes setores, entre outros.

Do conteúdo publicado por páginas das sete categorias mais frequentes, que, juntas, representam 48,6% dos perfis, as publicações que atraíram mais interações falavam sobre temas como ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) no mundo corporativo, o lobby do agronegócio a favor do marco temporal, as negociações em torno da COP-26, biotecnologia, tecnologias de energia renovável, economia circular, desenvolvimento econômico e proteção ambiental da Amazônia, além de críticas ao governo Bolsonaro.

A outra metade dos atores envolvidos no debate reflete a grande diversidade de pontos de vista que a pauta ambiental abriga, sendo frequentemente debatida por pessoas e organizações com diferentes perfis e com diversas sub-temáticas tratadas de forma transversal. Além de perfis identificados como produtores e difusores de notícias, que abordaram o tema de forma semelhante ao da primeira metade, também são numerosos os perfis ligados à moda e à educação ambiental. Foram destaques as abordagens sobre consumo consciente, como moda sustentável, eletrodomésticos de baixo consumo e veículos que não usam combustíveis fósseis, além de emissão de carbono/aquecimento global, bioeconomia e ecoturismo.

Entre os perfis que atraíram o maior número de interações estão o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), do ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Aparecem também perfis ligados à cultura, como Alok, Flávia Alessandra, Dinho Ouro Preto e Mayra Andrade, além das páginas não oficiais Maria Bethânia Essência e Música, e Tropicália Viva. Dos políticos de oposição, o único nome entre os que geraram mais interações foi o de Lula.

Já no Twitter, os direitos indígenas ganharam protagonismo no debate ambiental no período analisado. O tema foi puxado pela votação do marco temporal no STF e pela mobilização indígena, em Brasília, no mês de setembro. A esquerda não partidária (laranja), representada por uma diversidade de pessoas, organizações, grupos e páginas, liderou o debate, tanto em número de perfis quanto no total de interações (Grafo 1). A discussão em torno da política institucional teve o Ministério do Meio Ambiente, na figura do então ministro Ricardo Salles, como foco central. Embora tenha tentado contrapor a narrativa tanto da esquerda (laranja) quanto da imprensa e de políticos de oposição (vermelho), o grupo governista (azul) não conseguiu mobilizar tanta participação popular quanto seus críticos, e saiu derrotado. Já o grupo rosa, formado em sua maioria por pessoas comuns, fora do mainstream, gerou poucas interações e espelhou uma boa parte do debate do grupo laranja.

Grafo 1 - Debate no Twitter sobre tecnologias e meio ambiente
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

A análise dos perfis que mais atraíram interações reforça a avaliação de que o governo não conseguiu reverter a narrativa negativa em torno do tema ambiental neste período. O presidente Jair Bolsonaro é o melhor posicionado do grupo governista, mas teve um grau de conexão de entrada (weighted indegree) menor do que perfis como Mídia Ninja, ApibOficial e Fiscal do Obama, localizados nos grupos laranja e vermelho.

Dentre os 48 perfis com maior grau de conexão de entrada, apenas nove vieram do grupo governista. Exceto a Revista Oeste, todos os perfis atuam na política institucional e fazem parte da base governista: o presidente Jair Bolsonaro, os deputados Carla Zambelli (PSL-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-SP), os ministros Tarcísio Gomes de Freitas e Tereza Cristina (DEM-MS), o ex-candidato a vereador Alan Lopes (PDS-RJ) e a SecomVc. Enquanto isso, o grupo laranja destacou 14 perfis entre os mais influentes, sendo boa parte deles representantes indígenas e indigenistas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (@AbipOficial), o Conselho Indigenista Missionário (@ciminacional), organismo vinculado à Confederação Nacional de Bispos do Brasil, a Comissão Pró-Índio de São Paulo (@Proindio), o perfil @TamoioArt, as jornalistas indígenas Karibuxi e Alice Pataxó, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR) e a líder indígena Sônia Guajajara, confirmando a forte conexão da pauta indígena com o tema ambiental no debate público.

Além desta relação histórica entre indígenas e meio ambiente, a votação do marco temporal no STF e a forte mobilização em Brasília catapultaram perfis de influenciadores indígenas nas redes sociais (CORREIO BRAZILIENSE, 2021; SILVEIRA, 2021), reforçando seu lugar de fala no debate. Na análise da temática que relaciona tecnologia e meio ambiente, os dados confirmam essa tendência, destacando diferentes perfis de indígenas, principalmente no Twitter.

O grupo que engloba veículos de imprensa e políticos de oposição (vermelho) teve 21 perfis entre os 48 com maior relevância no debate, incluindo jornalistas como André Trigueiro e Andréia Sadi, o influenciador Lucas Neto e políticos como Marcelo Freixo, Lula, Marina Silva, Talíria Petrone e Randolfe Rodrigues. Já o grupo rosa tem quatro perfis entre os mais influentes, como os humorísticas @XIAOJIU e @giselabitch.

Considerando todos os perfis que participaram do debate, 13,42% pertencem ao grupo governista, que acumula 16,6% das interações. O protagonismo é dos grupos da esquerda não partidária (laranja), com 33,78% dos perfis e 31,16% das interações, e o que reúne imprensa e oposição, com 27,91% dos perfis e 37,03% das interações. O grupo de pessoas comuns (rosa) é o menos influente, com apenas 4,76% das interações, embora agregue mais perfis (18,21%) do que o grupo governista.

No dia de maior pico de publicações no período analisado, foram 234.440 tuítes e retuítes, muitos deles motivados pela demissão do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Dos 25 posts com maior número de retuítes, 19 comemoraram a saída do ministro, alguns relacionando a notícia a uma suposta cortina de fumaça para minimizar os efeitos nocivos das denúncias da Covaxin na CPI da pandemia. Nenhum dos perfis mais influentes neste dia faz parte da base governista.

Gráfico 1 - Número de tuítes diários sobre tecnologias e meio ambiente
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021


. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

O segundo maior pico de postagens no período analisado, em 26 de agosto, ficou marcado pela mobilização indígena, em Brasília, contra o marco temporal. Além de dominar o debate on-line, com 23 dos 25 posts com maior número de retuítes, a ação também pautou as publicações do próprio governo. O presidente Bolsonaro foi a única pessoa da base governista a aparecer entre os tuítes de maior destaque, mas também abordando o tema ambiental relacionado aos indígenas. Além dele, apenas o perfil oficial @GovBR aparece em destaque, com post que tenta minimizar as críticas ambientais ao governo divulgando a Operação Guardiões do Bioma para “combater os incêndios florestais e preservar a biodiversidade brasileira”.

2.2 – Alimentação e agricultura familiar

Quando se pensa sobre agricultura familiar no Brasil, logo imaginamos a figura do pequeno produtor rural desconectado da internet e longe dos debates realizados nas redes sociais. Porém, as redes sociais têm se tornado grandes aliadas dos agricultores familiares para divulgação e venda dos seus produtos. Segundo relatório publicado, em 2020, pelo Instituto de Geociências da UNICAMP, o contexto marcado pela pandemia do novo coronavírus propiciou o estabelecimento da comunicação e da publicidade de produtos via plataformas digitais, no momento em que feiras livres e o contato direto desses produtores com consumidores foi bloqueado. Algumas estratégias como a venda virtual foram estabelecidas.

Ao nos debruçarmos sobre as discussões que reverberam nas redes sobre a agenda ambiental, a questão da agricultura familiar se estabelece como uma nova questão. Entre os meses de junho e setembro de 2021 foram extraídos 167.410 posts sobre o tema no Facebook, contando com 12.027.566 de ações de engajamento. No caso do Twitter, foram extraídas 348.512 postagens nesse período. A valorização do pequeno produtor frente ao produtor agroexportador se conecta à questão do abastecimento e consumo das famílias brasileiras. Essa discussão permeia diferentes espectros políticos e, apesar do enfoque ser diferente, todos convergem para a questão do aprovisionamento do Brasil. É importante destacar que no Facebook a discussão sobre o tema girou em torno do consumo e do abastecimento enquanto no Twitter a discussão foi permeada pela preocupação com o uso de solos considerados inférteis, como em algumas regiões do Cerrado, e pela forte relação que se estabeleceu entre esse tema e o da crise hídrica, contrapondo os benefícios da agricultura familiar ao agronegócio exportador.

Dentre os principais responsáveis pelo engajamento acerca dessa pauta, no Facebook, podemos destacar, os perfis @pecuariabrasil, da empresa @perdigaooficial, do presidente Jair Bolsonaro, do político Guilherme Boulos e do vereador Márcio Bosa de Oliveira (MDB-PR). Grande parte do engajamento concentra-se no mês de junho, impulsionado por notícias sobre o faturamento do agronegócio no Brasil e pela informação sobre a entrega de mais de 50 mil títulos de posse de terra a famílias assentadas e ocupantes de terras públicas no Pará, pelo governo federal.

Nos meses de agosto e setembro os debates foram impulsionados por postagens do presidente Jair Bolsonaro e giravam em torno de uma medida provisória que beneficiaria o pequeno produtor na compra de milho. Essa medida impactaria os criadores de suínos e outros animais que se alimentam com rações advindas do milho e poderia impactar também os preços das carnes vendidas aos consumidores em geral.

No caso do Twitter, o engajamento nesta pauta girou em torno de perfis coesos entre si que discutiram alguns temas específicos, como a notícia de um agricultor rural que foi morto por ter denunciado grilagem em suas terras; políticas públicas implementadas pelo governo federal em benefício de pequenos agricultores e de debates em torno da exploração do Cerrado e do impacto que a agricultura extensiva causa no meio ambiente e nas populações indígenas.

O grafo a seguir apresenta as interações desses perfis e pode-se notar uma grande confluência do debate para o grupo vermelho (43,36% dos perfis), caracterizado por perfis mais aliados aos debates progressistas e às ONGs e que contaram com maior engajamento no debate (40,57% das interações). A discussão foi impulsionada pela conta @fiscaldoibama, que é um perfil colaborativo dedicado à divulgação e à fiscalização da gestão dos órgãos federais de meio ambiente e conta com mais de 120 mil seguidores no Twitter, atraindo interações com a conta @MST_Oficial. As postagens desse grupo se focaram na notícia sobre a morte de um agricultor que denunciou grilagem em suas terras, em Barreiras, na Bahia e na prisão dos suspeitos pelo assassinato. Além de um engajamento em torno da postagem realizada pela Secretaria Especial de Comunicação – Governo Federal (Secom) por conta da comemoração do dia do agricultor, 28 de julho, onde aparece a imagem de um homem armado. As discussões se voltaram para o fato de que esta não era uma imagem representativa do agricultor brasileiro. Diversos perfis de políticos da esquerda aderiram a essa discussão.

Grafo 2 - Debate no Twitter sobre agricultura familiar
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Em contrapartida, perfis mais conservadores giraram em torno das postagens realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro sobre ações institucionais voltadas para o desenvolvimento e benefício da agricultura e de pequenos produtores, como a liberação de águas da Barragem do Juá, em Pernambuco, e da distribuição de mais de 15 mil toneladas de alimentos para populações indígenas no Brasil. Esses perfis concentram-se no grupo azul (29,16% dos perfis), Grafo 2, e concentram a segunda maior interação acerca do tema (26,79% de interações). Nesse grupo, também estão presentes comemorações sobre a posse da ministra da Agricultura Tereza Cristina, eleita para presidir a Junta Interamericana de Agricultura, e a liberação de mais de R$ 3 milhões, por parte do governo federal, para assistência técnica dos produtores de orgânicos.

No caso dos grupos rosa (3,30% dos perfis) e laranja (9,19% dos perfis), as postagens podem ser consideradas de caráter transversal, pois apesar de fazerem referência à agricultura familiar debatiam outras questões como a pauta indígena, o desmatamento, a crise hídrica, a exploração do Cerrado e crimes ambientais cometidos. No grupo laranja a conta @empatillada foi a que teve o maior engajamento devido a uma publicação sobre a discussão de veganos contra a população indígena no que se refere ao abate de animais para a subsistência. É importante destacar que o grupo laranja conta com o engajamento de perfis indígenas e indigenistas sobre o tema da agricultura e de outras pautas transversais.

Interessante notar que, no caso do Facebook, a pauta da agricultura familiar está mais ligada a posições econômicas do que político-sociais, enquanto no Twitter as discussões políticas pulsam em torno do tema, trazendo outras questões relacionadas ao debate ambiental para a pauta.

No Facebook foi marcante a preocupação com o abastecimento de supermercados e da população em geral nos temas que mais engajaram o debate, além das medidas tomadas pelo governo federal para benefício de pequenos agricultores. Mesmo as postagens de políticos de esquerda estavam voltadas para a segurança alimentar da sociedade, apontando o papel do MST e de sua cozinha solidária no fornecimento de gêneros alimentícios para pessoas em situação de vulnerabilidade.

No caso do Twitter, dois grandes grupos se destacaram: os que debatiam sobre a morte de um agricultor e os que se mostraram entusiastas das ações do governo federal e eram impulsionadores das postagens institucionais. Além desses, outros dois grupos, com menor engajamento, indicaram tópicos importantes: a questão indígena e a necessidade de proteger suas terras e sua cultura a despeito do desmatamento e do avanço da agricultura extensiva para os territórios dessas comunidades; e a vinculação do debate em torno da agricultura familiar, sobretudo da pequena propriedade, com questões relacionadas à crise hídrica, a incêndios e ao desflorestamento.

2.3 – Energia e crise hídrica

O debate nas redes sociais a respeito da questão energética e a recente crise hídrica no país é mobilizado por perfis diversos – atores políticos, canais de mídia (tradicionais e alternativos) e portais de conteúdo sobre petróleo e combustíveis em geral -, mas a polarização entre campos políticos se sobressai e é destaque nessa pauta.

No Facebook, a temática foi assunto, entre junho e meados de setembro de 2021, de aproximadamente 2,25 mil postagens ‒ que alcançaram, nesse período, mais de 15,7 mil interações, entre reações, comentários e compartilhamentos. A discussão se debruça, principalmente, sobre o preço dos combustíveis no Brasil, que vem sofrendo uma série de aumentos nos últimos meses e que, na plataforma, é alvo de disputa de opiniões (em geral, de viés político).

De um lado, perfis de membros do governo e de políticos aliados – @jairmessias.bolsonaro, @ZambelliOficial, @biakicisoficial, @filipebarrosoficial e @carlosjordyoficial – insistem na tese de que o governo federal tem tomado medidas para reduzir impostos e, dessa forma, baixar o valor dos combustíveis, e atribuem eventuais altas a encargos relativos a governos estaduais. Postagens compartilham informações sobre a possível redução da conta de luz com a privatização da Eletrobras e, também, divulgam acordos e políticas desenvolvidas sobre o Biogás: transformação do lixo em energia, um programa do Ministério do Meio Ambiente – e algumas associações como a ABCP, ABETRE, ABRELPE e ABIOGAS – que pretende desburocratizar a recuperação energética de resíduos sólidos e impulsionar um problema ambiental em energia no Brasil.

Outra postagem que se destaca no contexto dos atores clássicos da política institucional – tanto pelo forte engajamento na plataforma, quanto pela frequência – é a live do presidente Jair Bolsonaro, em que fornece esclarecimentos sobre a construção do Ramal do Apodi no estado do Rio Grande do Norte. De acordo com a transmissão, essa obra integra o eixo norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco e vai beneficiar vários estados do Nordeste. A live ainda enfatiza a quantidade de quilômetros que o Ramal percorrerá, um total de 115,3 quilômetros de extensão, e os valores investidos na obra do governo federal, cerca de R$ 938,5 milhões.

Políticos de esquerda, centro-esquerda e de centro se unem para fazer oposição e crítica ao governo federal. Nesse contexto, destacam-se os perfis @AndreJanones, @depmarcomaia e @gleisi.hoffmann, que salientam o aumento da conta de energia elétrica. Menções a esse aumento contrastam a inflação com outros aspectos do cenário econômico brasileiro, como o fim do Auxílio Emergencial, o não reajuste do valor das parcelas do Programa Bolsa Família e o aumento do preço de produtos como arroz e carnes.

Além dos atores políticos, os perfis das mídias tradicional e alternativa – como @quebrandootabu, @g1 e @MidiaNINJA – enfatizam o aumento constante nas taxas da conta de luz, do gás de cozinha e dos combustíveis, culpabilizando a administração federal e as políticas do ministro da Economia Paulo Guedes. Por outro lado, canais de comunicação mais alinhados ao governo federal – por exemplo @cpgbr – propagam informações sobre energias renováveis e a possibilidade de geração de empregos com a entrada de novos empreendimentos energéticos no país.

Vale salientar que postagens repercutem como a seca de rios tem afetado o cotidiano de localidades que dependem dos canais para transporte e reivindicam preços mais acessíveis do gás de cozinha, posto que as refinarias acompanham os patamares internacionais de preços de importação, além do acréscimo do custo do transporte e do seguro.

No Twitter, durante o mesmo período ‒ entre junho e meados de setembro de 2021 ‒, o debate sobre questões energéticas e a crise hídrica contabilizou mais de meio milhão de postagens. O momento de maior engajamento nesse período foi no dia 17 de junho, quando a temática atingiu cerca de 37 mil menções na plataforma. As publicações destacavam a privatização da Eletrobras, tal debate é fortemente polarizado e politizado. De um lado, políticos alinhados ideologicamente à esquerda e à centro-esquerda afirmam que as usinas hidrelétricas apresentam um custo menor e, portanto, mais acessível do que as usinas termelétricas movidas a gás e que a saída dessa empresa do Brasil vai acarretar maior custo e comprometer – ainda mais – a renda dos consumidores. Apresentando uma perspectiva contrária, os aliados do governo federal defendem a privatização e a trazem como uma ação positiva que pode ter consequência imediata na economia do país com a diminuição do valor da conta de energia e, ainda, intensificar a recuperação da empresa no que diz respeito a investimentos e transmissão de energia.

Grafo 3 - Mapa de interações do debate sobre energia e crise hídrica no Twitter
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

No mapa de interação sobre energia e crise hídrica (Grafo 3), o grupo azul – composto por perfis oficiais do governo federal e de políticos, canais de conteúdo conservadores e canais de comunicação oficial do governo – propaga investimentos do governo federal, como obras e projetos hídricos, sobretudo, o Ramal do Apodi e do Cinturão das Águas do Ceará nos estados do Nordeste e sistemas dessalinizadores para garantir água à população; divulga participação de líderes do governo em eventos internacionais, difundindo informações positivas sobre as novas tecnologias energéticas – eólica, solar e biogás -, ao mesmo tempo em que menciona a possibilidade de gerar mais empregos e de colocar o Brasil em evidência como o país detentor de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.

O grupo verde, que é liderado por perfis de usuários comuns, estudantes e professores universitários, critica o governo federal por colocar a culpa pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos governadores e aborda seu descaso frente à crise hídrica e ao aumento da conta de luz.

Mobilizado por perfis de canais de mídia tradicional e alternativa, por políticos alinhados à esquerda, organizações indígenas/indigenistas e ativistas ambientais – com destaque para o perfil @fiscaldoibama -, o grupo vermelho considera a escassez hídrica uma consequência da substituição de biomas brasileiros por uma maior adequação para o agronegócio (como grandes plantações de soja e o cultivo de grandes extensões de terra de pasto para alimentação de bois). Postagens também salientam o constante aumento nos valores do gás de cozinha, da conta de luz, evidenciando o impacto econômico desses aumentos e o agravamento da desigualdade social no país; e, ainda, criticam o presidente brasileiro por defender a privatização da Eletrobras.

Movimentado por perfis que veiculam postagens críticas ao governo federal em tom de ironia, o grupo laranja acentua as diversas crises (elétrica, sanitária, política e ambiental) existentes no país – com destaque para a hídrica -, culpabilizando a atual gestão federal por privilegiar lucros para empresas, acionistas e empresários. Além disso, postagens reclamam do aumento dos preços da luz e combustíveis, do racionamento da água e energia, dos apagões e da fome, salientando os impactos que os problemas ambientais podem causar às cidades e às famílias brasileiras.

É importante destacar que no Facebook a questão energética e a recente crise hídrica é fortemente mobilizada por perfis oficiais do governo federal e de políticos que investem em colocar a atenção em possíveis energias renováveis e limpas – destaque para a energia solar e o biogás – as quais podem solucionar problemas urbanos e trazer desenvolvimento para o país, uma vez que o biogás será uma possibilidade de diminuir o acúmulo de lixo nas grandes cidades e a instalação de placas solares pode gerar mais empregos.

Já no Twitter, vê-se que a mobilização dos grupos verde e laranja não são politizados – ou seja, esses grupos não apresentam atores clássicos do cenário da política -, mas, assim como os perfis da oposição ao governo federal, reverberam informações salientando o impacto econômico causado pela crise hídrica e reclamando do aumento da conta de luz e dos produtos e serviços que ficaram mais caros.

Desse modo, as postagens, tanto no Facebook quanto no Twitter, extrapolam a associação restrita entre energia/crise hídrica e a escassez de água nos rios. Tais postagens notabilizam os impactos que a questão energética e a crise hídrica podem trazer para a economia, para os centros urbanos e para a condição de sobrevivência das famílias brasileiras.

2.4 – Incêndios e danos ambientais

A análise sobre a pauta de incêndios e danos ambientais se concentrou no debate em torno dos incêndios que assolaram florestas brasileiras durante o período analisado, bem como das suas eventuais causas e dos efeitos que esses episódios teriam sobre a vida selvagem dos biomas e sobre a população brasileira de maneira geral.

No debate ambiental no Facebook, entre junho e a primeira metade de setembro de 2021, aproximadamente 1,83 mil postagens ‒ feitas por páginas e grupos públicos ‒ abordaram o tema dos incêndios e danos ambientais no Brasil. Juntas, essas postagens angariaram mais de 12,9 milhões de interações, incluindo reações, comentários e compartilhamentos. Os principais perfis engajados nesse debate correspondem a canais de mídia alternativos, como Mídia Ninja e Quebrando o Tabu; a portais de conteúdo sobre ciência ou tecnologia, como Conexão Planeta e Olhar Digital; e a políticos de esquerda e blogueiros críticos ao governo federal, como o senador Humberto Costa (PT-SP), o deputado federal Marco Maia (PT-RS) e o jornalista Leonardo Sakamoto.

A principal pauta levantada por esses atores consiste na participação do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), no final de setembro de 2021, em Nova York. As principais postagens sobre a visita destacam que o nome do presidente estaria circulando nos corredores do evento em comentários irônicos e irritados, e lembram que Bolsonaro é alvo de diversas denúncias (nacionais e internacionais) de violação de direitos humanos ‒ inclusive, envolvendo populações indígenas ‒ enviadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais. Outro assunto abordado pelos perfis diz respeito à falta de chuvas e aos incêndios que atingiram o centro-sul do país no final de julho de 2021. Postagens alertam para o impacto da estiagem para a vida silvestre no Pantanal, repercutindo, por exemplo, os esforços de ambientalistas para combater o fogo ou para levar água aos animais da região. Alguns textos comentam, a propósito, que especialistas já haviam previsto o fenômeno, relacionando-o aos efeitos da crise climática global.

Além disso, deve se comentar a presença, ainda que menos expressiva, de perfis da base de apoio do governo federal ‒ como os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR) e Carla Zambelli (PSL-SP), e o portal de conteúdo conservador Brasil Paralelo ‒ nessa parte do debate. Seus comentários repudiam eventuais tentativas de responsabilizar o governo federal pelo clima seco, bem como os consequentes incêndios na Amazônia durante o período de estiagem, já que os fenômenos seriam comuns no final de julho. Classificam como mentirosas as acusações de que, sob o governo de Jair Bolsonaro, estaríamos enfrentando um aumento do desmatamento e dos incêndios naquele bioma.

Já no Twitter, durante o mesmo período ‒ entre junho e meados de setembro de 2021 ‒, cerca de 2,56 milhões de postagens falavam de incêndios e danos ambientais. Um primeiro momento de maior engajamento do debate aconteceu no dia 23 de junho, quando foram feitas 87 mil menções ao tópico. Esse dia ficou marcado pela saída, do comando do Ministério do Meio Ambiente, do advogado Ricardo Salles, apontado pela base de oposição ao governo federal como um dos principais responsáveis pelas políticas de desmonte ambiental da atual gestão.

Outro episódio de forte mobilização a respeito de danos ambientais na plataforma foi identificado em 09 de agosto, quando o debate contabilizou 70,3 mil postagens. Nesse dia, ganhou repercussão um relatório sobre mudanças climáticas da ONU segundo o qual o aquecimento global teria chegado a um ponto em que já seria irreversível. Esse dia do debate também ficou marcado pela notícia do rompimento de uma barragem no interior de Minas Gerais.

Grafo 4 - Mapa de interações do debate sobre incêndios e danos ambientais no Twitter
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Nesse mapa de interações (Grafo 4), o grupo laranja orbita canais de mídia alternativos, ativistas sociais e artistas, como @TatiNefertari, @QuebrandoOTabu e @Anitta. O debate nesse grupo se concentra na comparação de eventos naturais durante o período ‒ como ondas de calor extremo na Europa e na América do Norte, de um lado, e frentes frias e nevascas incomuns no Brasil, de outro ‒ para atrair a atenção sobre a ameaça das mudanças climáticas no planeta. Outras pautas mobilizadas pelos perfis incluem campanhas contra o Projeto de Lei 490, em tramitação no Congresso Nacional desde 2007, que dificulta a demarcação de territórios indígenas; e comemorações pelo Dia da Amazônia, celebrado no dia 5 de setembro e que busca a conscientização sobre a importância do bioma.

Já o grupo vermelho, composto por ativistas e entidades ambientalistas, políticos de esquerda e canais de mídia alternativos, faz uma série de alertas a respeito do avanço do desmatamento e de incêndios em biomas brasileiros como Amazônia e Pantanal ‒ sobretudo, durante a gestão do atual governo ‒, com referências a estudos e relatórios de institutos de pesquisa nacionais e internacionais. Responsabilizando nominalmente o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) por esse avanço, muitas postagens insistem na gravidade desses fenômenos em virtude da sua relação com dados recentes sobre o aumento do aquecimento global. Perfis que se destacam nesse grupo incluem @andretrig, @BiodiversidadeB, @andrearoeirap e @Barbosa_Leandro.

Liderado por perfis oficiais do governo federal e de políticos, blogueiros e canais de conteúdo conservadores ‒ por exemplo, @govbr, @CarlaZambelli38 e @revistaoeste ‒, o grupo azul compartilha ações do governo federal para combater incêndios florestais e reduzir crimes ambientais, como a mobilização do Exército brasileiro no controle da malha fluvial e a intensificação da fiscalização ambiental no país. Postagens criticam, ainda, tentativas de responsabilizar uma suposta omissão de Jair Bolsonaro pelos incêndios na Amazônia, que seriam fruto, na verdade, da baixa umidade no bioma, típica nessa época do ano.

Por fim, o grupo verde ‒ agitado por perfis de clubes brasileiros de futebol e de outras entidades desportivas, este grupo manifesta apoio à plataforma ambiental @MOSS.Earth para o combate às mudanças climáticas. Nessa parte do debate, são compartilhadas mensagens de conscientização sobre, dentre outras coisas, a importância da preservação de florestas e da biodiversidade brasileiras; o aumento do desmatamento na Amazônia; e o impacto da emissão de carbono por pessoas e empresas no mundo. Na ocasião, postagens incentivam a tomada de atitudes cotidianas que poderiam ajudar a combater os efeitos do aquecimento global no planeta, tal como mudanças de hábitos alimentares e práticas de consumo e de deslocamento.

De maneira geral, a análise do debate deste tema nas redes sociais permite identificar um reconhecimento geral, por parte dos usuários das plataformas, da ocorrência (e da urgência) de incêndios em florestas brasileiras, embora possam atribuir as suas causas, bem como a responsabilidade sobre elas, a diferentes agentes e atores. O principal foco de atenção do debate, nesse sentido, se volta para as consequências dos incêndios, em um primeiro momento, para desde os animais e plantas silvestres até as populações originárias que habitam esses biomas e, em uma perspectiva mais ampla, para os danos desses eventos em um prazo mais longo, relacionando-os ao agravamento crescente da crise climática global. Além de atores habituais do debate ambiental nas redes sociais ‒ como políticos da base e de oposição ao governo federal, líderes e ativistas ambientais, e canais de mídia alternativos ‒, é importante destacar a participação e o engajamento de atores pertinentes a esferas menos evidentes para o tema, como entidades desportivas, influenciadores digitais e artistas populares.

2.5 – Governo, políticas públicas e sociedade civil

A coleta da temática governo, políticas públicas e sociedade civil teve o objetivo de mapear ações de cunho ambiental promovidas por esses setores em nível municipal, estadual e nacional. A regra linguística utilizada mobilizou termos ligados a políticas públicas, planos de governo, organizações não-governamentais, sociedade civil e terceiro setor. A coleta no Twitter reuniu 1,8 milhão de tuítes (sendo, destes, 1 milhão de retuítes) de 534,3 mil perfis diferentes. Já a extração via Facebook reuniu 144,7 mil posts de 32,8 mil páginas e grupos públicos, somando mais de 20,3 milhões de interações.

Grafo 5 - Mapa de interações do debate sobre governo, políticas públicas e sociedade civil no Twitter
Período de análise: 1º de junho a 17 de setembro de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

No Twitter, o debate sobre governo, políticas públicas e sociedade civil aparece de modo muito associado a temas de âmbito nacional. A polarização que caracteriza o debate ambiental mais amplo também se reproduz nessa temática específica (Grafo 5), com os polos de atores ligados ao governo (azul) e ambientalistas (vermelho) concentrando mais de 60% dos perfis e interações. Importante notar, no entanto, a grande distância no número de perfis e interações entre esses dois conjuntos, com ampla vantagem do conjunto ambientalista (49,7% dos perfis e 46,8% das interações) sobre o conjunto ligado ao governo (16,2% dos perfis e 16,0% das interações).

Os conjuntos verde e rosa apresentam perfis menos ligados ao debate ambiental, com a presença de influenciadores e jovens. Interessante notar que, diferentemente dos conjuntos vermelho e azul, que articulam temas mais ligados à política nacional, nesses grupos as ações da sociedade civil e de ONGs aparecem em destaque. Entre os perfis de maior evidência, encontram-se a cantora Anitta – em tuítes críticos à política ambiental do governo – e páginas de fãs de grupos de K-pop, fazendo articulações entre ativistas e celebridades internacionais, pautas ambientais brasileiras e mobilizações para campanhas específicas. As ONGs são abordadas por esse grupo em uma perspectiva positiva, com celebração de ações e associações com o “fazer o bem”.

Políticas públicas, decretos e leis nas diferentes esferas de poder foram temas importantes nesse conjunto. O debate legislativo em nível federal foi marcado pela forte mobilização em torno do PL 490, que fez alterações nas regras de demarcação de terras indígenas, e do PL 2633, conhecido como PL da Grilagem por ampliar a possibilidade de regularização fundiária das terras da União por autodeclaração. Entre os decretos, nota-se grande engajamento contra o Decreto Legislativo 338/21, que propôs a diminuição da área protegida na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e em torno de ações do governo federal para o envio e prorrogação da ação das Forças Armadas para o combate a crimes ambientais.

A centralidade de perfis no debate sobre mudanças legislativas em nível federal não se verificou quando o tema foram os programas ambientais do governo. Em geral, as publicações ligadas a programas como VIGIA, Floresta + e Lixão Zero engajam perfis alinhados à política ambiental do governo. Uma característica geral das publicações ligadas ao debate em nível federal é o tom reativo das publicações de perfis vinculados à causa ambiental e a decisões e projetos de lei propostos pelo governo.

Essa característica se suaviza quando o debate se refere a políticas públicas e leis em nível estadual e municipal, com a maior presença de publicações que celebram avanços na agenda ambiental por parte de vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores. Entre os principais ligados a essas esferas de poder, destacam-se projetos de lei sobre reciclagem urbana, planos de prevenção e combate a incêndios, saneamento básico, políticas estaduais de redução de emissões de gases de efeito estufa, ampliação de parques florestais, além de temas ligados ao licenciamento ambiental. Sobre esse último tema, a maior parte das publicações divulgam denúncias de irregularidades em ocupações e invasões, mas há, também, posts críticos a pedido de documentos ambientais para a abertura de empresas de operação virtual.

Já no Facebook, o debate sobre governo, políticas públicas e sociedade civil foi marcado pelo predomínio de páginas de organizações ambientais e ativistas. Destacam-se, entre elas, as páginas da ativista Sonia Guajajara, dos veículos de comunicação alternativos Mídia Índia e Mídia Ninja, da ONG Greenpeace e de organizações indigenistas como Apib e Cimi. Essas páginas fizeram mais de 1,9 mil publicações sobre o tema no período, alcançando mais de 971,8 mil interações. As páginas e perfis de influenciadores e membros do governo tiveram atuação distinta nesse período, com volume de posts muito inferior, mas alto engajamento. Os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e as deputadas Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) somaram apenas 75 publicações e mais de 1 milhão de interações.

Políticas públicas, decretos e leis nas diferentes esferas de poder apareceram de modos distintos nesse conjunto. O debate sobre projetos de lei teve a forte atuação de deputados e deputadas alinhadas ao governo, sendo marcado por uma maior diversidade de projetos em pauta. Esse movimento tem a ver com a atuação de Carla Zambelli, atual presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, que fez uso da rede para divulgar a tramitação e posicionamentos sobre projetos como o PL 6054/19, que dispõe sobre a natureza jurídica de animais domésticos e silvestres, e o 10.814/18, que permite a constituição de delegacias eletrônicas para registros de crimes ambientais.

O protagonismo de figuras ligadas ao governo diminui no debate sobre decretos e programas, que são marcados pela presença de páginas e perfis ambientalistas e de oposição ao governo. Em especial, nas menções a programas ambientais, nota-se a grande presença de iniciativas sociais de preservação do meio ambiente, como ações de reflorestamento e iniciativas de reciclagem. As arenas estadual e municipal apresentam o debate mais distante da polarização que marca a agenda ambiental de modo geral, com muitas publicações de páginas oficiais de estados e municípios anunciando ações relacionadas ao meio ambiente.

5. CONCLUSÕES

O estudo teve como objetivo explorar temas ligados ao debate ambiental que ocupam uma faixa intermediária de engajamento nas mídias sociais e, ao mesmo tempo, têm grande aderência à vida cotidiana dos indivíduos e às atividades das organizações. A escolha por essa estratégia não significa diminuir a importância de temas com maior visibilidade, mas ampliar o conhecimento sobre áreas que operam sob lógicas menos polarizadas do que os debates de maior projeção na esfera pública. Busca-se, portanto, iluminar narrativas, estratégias e atores, em diálogo com a construção de estratégias que permitam o fortalecimento de ações e campanhas que visem aumentar a sensibilidade da população para questões ambientais.

Em uma visão integrada, é possível identificar que grupos que defendem agendas contrárias à agenda ambiental ocupam espaços minoritários em todos os cinco temas analisados. Ou seja, tratam-se de temas que, apesar de implicarem visões críticas, tendem a ser bem assimilados com mais facilidade por parte da população. A menor polarização também possibilita a utilização de estratégias de comunicação menos reativas, ampliando o horizonte de mobilização e engajamento.

Outra característica observada é a co-ocorrência de diferentes abordagens temáticas, com perspectivas que não se articulam isoladamente nas publicações nas duas plataformas. Esse é o caso de posts que abordam, por exemplo, a crise hídrica relacionada a tecnologias e estas aplicadas a diferentes assuntos como moda, consumo consciente, biogás e tratamento de resíduos sólidos. Poucos temas são tão transversais quanto a ampla gama de assuntos da agenda verde.

O estudo também reforça a relação histórica das populações indígenas com a pauta ambiental, retratando a ascensão de perfis de influenciadores representantes de diferentes etnias brasileiras. Aparecendo em destaque em temas como tecnologias e meio ambiente, os perfis de cidadãos indígenas foram alguns dos principais responsáveis pela predominância da narrativa em favor dos direitos das populações nativas brasileiras, catapultando forte engajamento de perfis de políticos, artistas e cidadãos comuns. O lugar de fala das populações indígenas parece incontestável na agenda ambiental, pautando, inclusive, a reação de perfis governistas contrários à boa parte da agenda verde e a favor do marco temporal.

6. REFERÊNCIAS

SILVEIRA, I. Conheça influenciadores indígenas que usam o TikTok para enaltecer a cultura dos seus povos. Olhar Digital, 09/08/2021. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2021/08/09/internet-e-redes-sociais/conheca-influenciadores-indigenas-que-usam-o-tiktok-para-enaltecer-a-cultura-dos-seus-povos/. Acesso em: 28 out. 2021.

CORREIO BRAZILIENSE. Indígenas se tornam influencers para lutar pelo reconhecimento das terras. Correio Braziliense, 02/09/2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/09/4947332-indigenas-se-tornam-influencers-para-lutar-pelo-reconhecimento-das-terras.html. Acesso em: 28 out. 2021.

RUEDIGER, M.A. et al.. Nem tão #simples assim: o desafio de monitorar políticas públicas nas redes sociais. Rio de Janeiro: FGV DAPP, 2017. Disponível em: http://dapp.fgv.br/wp-content/uploads/2017/03/PT_nem-tão-simples-assim.pdf. Acesso em: 26 out. 2021.

SIEVERT, C.; SHIRLEY, K. LDAvis: A method for visualizing and interpreting topics. Proceedings of the Workshop on Interactive Language Learning, Visualization, and Interfaces, p. 63-70, 2014. Disponível em: https://aclanthology.org/W14-3110.pdf. Acesso em: 29 out. 2021.

7. EXPEDIENTE

Coordenação de Pesquisa
Marco Aurelio Ruediger
Amaro Grassi

Pesquisadores
Dalby Dienstbach
Danielle Sanches
Lucas Roberto da Silva
Marcela Canavarro
Maria Sirleidy Cordeiro
Polyana Barboza
Sabrina Almeida
Victor Piaia

Revisão técnica
Renata Tomaz

Projeto gráfico
Luis Gomes
Daniel Almada

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