Democracia Digital

Digitalização e Esfera pública no Brasil

Desinformação on-line e contestação das eleições

Quinze meses de postagens sobre fraude nas urnas eletrônicas e voto impresso auditável no Facebook

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1. SUMÁRIO EXECUTIVO

Resumo:
Este estudo analisa as postagens com acusações de fraude na urna eletrônica e defesa de voto impresso auditável publicadas no Facebook entre novembro de 2020 e janeiro de 2022. Busca-se entender quais são as postagens, os atores e os links mais frequentes e populares, em termos de interações, ao longo desses 15 meses, em mais um esforço de monitoramento das origens e da dinâmica de mobilização da agenda que fomenta a desconfiança e a contestação eleitoral via mídias sociais. Este é o terceiro relatório de pesquisa que investiga as alegações de fraude nas urnas eletrônicas desenvolvido pelo projeto Digitalização e Democracia no Brasil, uma parceria entre a FGV DAPP e a Embaixada da Alemanha em Brasília.

Palavras-chave:
Fraude nas urnas. Desinformação eleitoral. Facebook. Brasil.

 

SÍNTESE DOS RESULTADOS

  • Entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, foram localizadas 394.370 postagens sobre fraude nas urnas eletrônicas e voto impresso auditável, publicadas por 27.840 contas, entre páginas, perfis pessoais e grupos públicos. Essas publicações atraíram mais de 111 milhões de interações.
  • As mensagens são encontradas em todos os 15 meses, tendo sido mais frequentes em novembro de 2020, ocasião da corrida presidencial dos Estados Unidos e das eleições municipais no Brasil; e em julho e agosto de 2021, na esteira da discussão pública sobre a PEC 135/2019 (PEC do Voto Impresso) e das declarações do presidente Jair Bolsonaro que lançam suspeição sobre a segurança do voto em disputas passadas e para 2022. A média foi de 888 postagens por dia, sendo o recorde de publicações no dia 10 de agosto de 2021, com 10.619 mensagens publicadas na plataforma.
  • O ano de 2021 foi marcado por intensa atividade de grupos e páginas em prol do voto impresso, com maior média de postagens e maior média de interação por conta desde 2014, indicando capacidade de mobilização. Quatro meses de 2021 apresentaram maior média de interações por postagens em relação a outubro de 2018, até então ano-referência da temática nas mídias sociais. Os números dão fortes indicativos de que mensagens de contestação eleitoral vêm crescendo em quantidade e em interação no Facebook.
  • Doze são as contas que concentram maior volume de interações (a partir de 1 milhão cada) nas postagens no Facebook sobre fraude nas urnas e voto impresso, a maior parte representantes eleitos, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, porta-voz da causa. Entre os de maior influência na temática, quem mais agendou o assunto, porém, foi a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), com 1.576 publicações em 15 meses.
  • Ao todo, 23 contas postaram mais de mil vezes sobre tais temas ligados à desconfiança eleitoral no Facebook. A figura de Jair Bolsonaro é referência – em apoio ou oposição – a todas essas páginas e grupos públicos, com destaque para “Movimento Brasil”, com 11.856 posts, e “Bolsonaro 2022 🇧🇷”, com 7.413 publicações. Outras centenas de contas parecidas também apresentam índices altos de publicação sobre as temáticas.
  • Um total de 40 postagens pró-fraude nas urnas são as mais populares, gerando 6.809.193. Entre as 20 primeiras mensagens desse subconjunto, 13 (32,5%) são da página de Jair Bolsonaro, atraindo quase metade das interações (3.227.981, ou 47%).
  • Mais de 130 mil postagens continham links internos e externos ao Facebook, tipo de conteúdo que representou 23,9% das interações. Esses links estiveram em circulação por até 435 dias. A maior parte dos links externos com mais interações convoca para a consulta pública de uma sugestão legislativa para inserção de 100% de voto impresso nas urnas e material de mobilização sobre a PEC do Voto Impresso – esse link do Senado esteve em 8.412 publicações no Facebook.

2. RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Evolução de postagens no Facebook

O volume de postagens em torno do debate sobre urna eletrônica e voto impresso auditável aparece de forma contínua no Facebook ao longo dos últimos dois anos, com picos localizados em períodos em que a pauta adentra a agenda pública de alguma maneira. Publicações sobre a temática crescem desde 2014, sendo centrais nas eleições gerais de 2018 e muito relevantes em 2020 pela primeira vez em um pleito municipal (RUEDIGER et al., 2020a). Nos 15 meses entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, a média foi de 888 publicações por dia. Novembro de 2020, com 50.574 postagens (12,7% do total); julho, com 69.943 postagens (17,7% do total); e agosto de 2021, com 94.317 postagens (23,9% do total) são os meses com mais postagens de contestação eleitoral. O dia com menos publicações, 133, foi 28 de novembro de 2021, e o dia com mais publicações, 10.619, foi 10 de agosto de 2021.

Evolução de postagens no Facebook sobre fraude nas urnas e voto impresso
Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022


. Fonte: CrowdTangle | Elaboração: FGV DAPP

Em geral, entre 2020 e 2022, a frequência de mensagens sobre o sistema de votação eletrônico acompanhou os assuntos relacionados ao processo de apuração de votos nas eleições de 2020 dos Estados Unidos, ao ataque cibernético ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao atraso na apuração do primeiro turno das eleições municipais de 2020 no Brasil, bem como à aposta, às discussões e à votação da PEC 135/19, apelidada de PEC do Voto Impresso Auditável, rejeitada pela Câmara dos Deputados no mês de agosto de 2021. Somado a isso, declarações reiteradas do presidente Jair Bolsonaro (PL), que questionam a lisura dos ciclos eleitorais de 2014 e 2018 e que projetam um clima de suspeição para a corrida presidencial em 2022, ajudam a manter a temática aquecida no Facebook. Os picos de publicações em novembro de 2020 e em janeiro, maio, julho e agosto de 2020 refletem esse panorama político.

O ano de 2021 foi marcado por intensa atividade de grupos e páginas com títulos em prol do voto impresso, conforme será apresentado na próxima seção. Essa atividade não está distribuída uniformemente, e a atuação de grupos de interesse impacta em um aumento geral da média de postagens por páginas no período. Utilizando dados mensais desde o ano de 2014, nota-se que, dos dez meses com a maior média de postagens por conta, seis foram em 2021. A mesma distribuição se observa quando são explorados os dados da média de interações por conta desde 2014, o que indica não só maior atividade, mas também a capacidade de protagonizar a mobilização de base em relação ao tema. O destaque para o ano de 2021 também pode ser observado quando colocado em referência a outros períodos de intensa circulação de conteúdos sobre fraude nas urnas. Em 2018, por exemplo, ocorreu maior volume de interações em postagens sobre fraude nas urnas nos últimos anos (RUEDIGER et al., 2020a), com média de 1.206,3 interações por postagem em outubro, maior engajamento no período. Apesar disso, o ano de 2021, por sua vez, apresenta quatro meses com média de interações por postagem maior do que outubro de 2018, com destaque para os meses de julho e agosto, que apresentaram média de 2.724,8 e 2.369,9, respectivamente.

Após o pico ocorrido na esteira da rejeição da PEC do Voto Impresso, em agosto de 2021, o debate apresentou uma queda expressiva, que está correlacionada à diminuição da participação de lideranças institucionais no debate. Novembro e dezembro de 2021 e janeiro de 2022 apresentaram não só baixo volume, como também baixa interação e engajamento. Em relação aos principais atores desse período, o destaque é de Filipe Barros (PSL-PR), a única liderança institucional a insistir no tema após a rejeição da PEC do Voto Impresso, gerando mais de 140 mil interações em suas postagens. Destaca-se, também, o Jornal da Cidade Online, segunda página com mais interações, que somou mais de 105 mil interações. Dez dos 15 grupos e páginas com mais publicações sobre o tema são alinhados ao governo Bolsonaro. Em relação aos temas, as publicações se dividem entre o acompanhamento das ações do TSE para comprovação da segurança das urnas eletrônicas e as tentativas de mobilização de base (majoritariamente bolsonarista) para ações coordenadas de auditoria dos votos, como o envio dos comprovantes de comparecimento às urnas para Jair Bolsonaro, um tipo de convocação já praticada nas eleições presidenciais de 2018.

2) Contas e interações no Facebook

Entre páginas, grupos e perfis verificados, 27.840 contas publicaram o conjunto de 394.370 postagens com acusações de fraude na urna eletrônica e promoção do voto impresso auditável entre o fim de 2020 e o início de 2022 no Facebook. Foram pelo menos 111.748.306 interações obtidas pelo conjunto das contas que publicaram sobre essas temáticas no período analisado. Doze contas se destacaram por terem acumulado mais de 1 milhão de interações cada pelo conjunto de mensagens postadas. Com exceção do veículo de comunicação UOL Notícias, todas são afinadas com o governo Bolsonaro ou alinhadas à agenda do conservadorismo de direita. A maior parte das contas, sete, é de político/as, mas integram esse subconjunto ainda um canal de mídia (hiper)partidária, um canal de mídia de plataforma, dois representantes da imprensa tradicional e dois grupos de apoiadores.

Contas que atraíram mais interações em postagens sobre fraude nas urnas
Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022


. Fonte: CrowdTangle | Elaboração: FGV DAPP

Deputada federal pelo PSL-SP e aliada de Jair Bolsonaro, Carla Zambelli (ZambelliOficial) publicou 1.576 vezes e atraiu 7.961.826 em interações, com média de 5.051 por postagem, ao encampar bandeiras que contestam o sistema eleitoral (Gráfico 2). Outros atores políticos conseguiram manter um elevado volume de engajamento mesmo com quantidade bastante inferior de postagens, como são os casos de Bia Kicis (PSL-DF) e de Filipe Barros (PSL-PR), que publicaram, respectivamente, 256 e 261 mensagens e, com elas, atraíram 6.855.975 e 4.884.829 interações, médias de 26.781 e 18.715 por postagem. O chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), mesmo com 42 postagens no período, conseguiu um volume de 3.878.011 interações, média de 92.333 por por publicação.

Contas que mais postaram sobre fraude nas urnas
Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022


. Fonte: CrowdTangle | Elaboração: FGV DAPP

Em paralelo àquelas contas de influência, há outras 23 que realizaram, junto com Carla Zambelli, mais de 1 mil postagens sobre a temática em 15 meses no Facebook (Gráfico 3). A maior parte é de contas de apoio a Jair Bolsonaro, a exemplo de grupos ou páginas nomeadas de “Movimento Brasil” (11.856), “Bolsonaro 2022 🇧🇷” (7.413), “GRUPO OLAVO DE CARVALHO” (2.815), “FORÇABRASIL” (2.725), “Aliança pelo Brasil 38” (2.649), Bolsonaro 2022” (2.381), “Grupo do SOLDADO DE AÇO Apoio ao Presidente Jair Bolsonaro” (2284), entre outras (Gráfico 3). No restante, que engloba mais de 30 mil contas únicas, preponderam aquelas também vinculadas aos valores e às personalidades do ecossistema conservador da nova direita brasileira – em número menor, aparecem veículos de imprensa e páginas situadas à esquerda, repercutindo ou reagindo, respectivamente, a essas matérias. Somado a isso, há também contas que fazem referência à terceira via ou à ideologia antissistema.

3) Postagens sobre fraude nas urnas mais populares no Facebook

Um conjunto de 40 postagens que fomentam os ideários de fraude nas urnas e a defesa do voto impresso auditável estão entre aquelas com mais interações, totalizando 6.809.193. Essas publicações foram realizadas por 11 diferentes contas, das quais nove páginas eram de figuras públicas, além de dois grupos públicos, nomeados “Conservadores Sergipe” e “TV Bolsonaro-B38 Em 2022”. Na lista de figuras públicas, estão políticos (representantes eleitos ou não) – Bia Kicis, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Fernando Borja, Jair Bolsonaro, Magno Malta e Roberto Requião -, e um blogueiro e youtuber alinhado ao bolsonarismo, Alberto Silva. Entre as 40 publicações mais relevantes em termos de repercussão digital no Facebook, 13 (32,5%) foram feitas pela página de Jair Bolsonaro (jairmessias.bolsonaro), que chegou a 3.227.981 interações (47,4% do total), sendo todas elas integrantes das 20 primeiras postagens (Gráfico 4).

Das dez mensagens do topo da lista, oito são publicações da página oficial Jair Bolsonaro, sendo três desses casos conteúdo no formato de transmissão ao vivo (live streaming). Entre as oito mensagens mais populares advindas do perfil de Bolsonaro, uma delas foi a mais compartilhada do conjunto de 40 publicações, sendo repassada para terceiros pelo menos 144.735 vezes desde sua postagem, em 12 de julho de 2021. Trata-se de reportagem exibida em telejornal da Band, então apresentado pelo jornalista Ricardo Boechat, no ano de 2009, de uma denúncia de fraude eleitoral em Caxias, Maranhão, feita por uma coligação derrotada, arquivada pela própria Polícia Federal em 2009. Esse vídeo circula periodicamente e já foi considerado “fora de contexto” por projetos de verificação de fatos. A publicação com mais interações, considerando a soma de todas as reações, compartilhamentos e comentários, um volume de 393.139, foi publicada em 1 de fevereiro de 2021 também pelo presidente Bolsonaro, na ocasião da vitória de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência do Senado, ironizando que a votação ocorreu em “cédulas de papel”.

As 20 postagens que mais atraíram interações no Facebook
Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022


. Fonte: CrowdTangle | Elaboração: FGV DAPP

Publicações feitas pelas páginas do ex-senador do Paraná, Roberto Requião (robertorequiao) (MDB), e do blogueiro e youtuber bolsonarista Alberto Silva (albertosilvaBrasil), são as duas que também compõem o top 10. No primeiro caso, Requião subiu trecho da fala de um procurador do Mato Grosso do Sul num debate sobre a segurança do sistema eletrônico feito pela Comissão de Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados no qual defende a adoção do voto em papel, rendendo 239.751 interações. No segundo, em 22 de julho de 2021, o blogueiro repercute declaração do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, publicada na imprensa, e avisa a seus seguidores que o Exército determinou que ou tem voto impresso auditável ou não tem eleição, angariando 220.532 interações, um tom exagerado que precisou ser alvo de desmentido.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), da base do governo Bolsonaro, aparece em segundo, com 12 publicações que acumularam 1.601.128 interações (23,5%), seguida de Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC do Voto Impresso, naquele momento em tramitação, que teve seis publicações nessa lista das 40 mais populares e obteve, com isso, 664.908 interações (9,7%). Duas publicações de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL-SP, estiveram entre as mais influentes, com 222.533 interações (3,2%); e o grupo público “TV Bolsonaro- B38 Em 2022”, também com duas publicações nesse destaque, obteve 229.714 interações (3,3%). Outras cinco contas postaram uma vez e, juntas, somaram 862.929 interações (12,6% do total). Assim, as páginas de Jair Bolsonaro e de Carla Zambelli foram responsáveis pela maior parte das postagens que frequentemente levantam suspeitas sobre o sistema de votação eletrônica brasileiro.

4) Circulação de links no Facebook

Do total de 394.370 postagens que compõem o corpus da pesquisa, 133.822 (33,9%) foram baseadas em links (URLs) internos e externos ao Facebook, subconjunto que atraiu 26.755.839 (23,9%) de interações. Quando se analisa o intervalo temporal entre a primeira aparição e a última aparição dos links nessa base de dados, é possível perceber que o tempo de vida deles variou entre um e 435 dias. Ao todo, 50 links podem ser considerados os mais relevantes, porque foram localizados em pelo menos 100 postagens, até a quantidade de 8.412. Desse total, 20 são links externos ao Facebook e 30 são links internos, isto é, referem-se a uma outra publicação realizada na própria plataforma.

Os links mais compartilhados no Facebook
Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022


. Fonte: CrowdTangle | Elaboração: FGV DAPP

Entre os 20 externos, o link que leva à consulta pública da sugestão legislativa nº 9/2018 para voto impresso em 100% das urnas desponta como o mais compartilhado entre 2020 e 2022 – uma chamada para a ação que já havia se destacado no primeiro estudo (RUEDIGER et al., 2020b). Outros nove links do tipo chamada para ação, com material diverso da “campanha do voto impresso” e enquetes sobre a PEC 135/2019, aparecem entre os mais frequentes. Quatro são links do YouTube, todos do canal de um advogado constitucionalista com críticas severas aos ministros do STF e defesa do voto impresso. Dois links são canais de mídia (hiper)partidária de direita, como Imprensa Brasil e Terça Livre, enquanto um é de um canal de mídia partidário de esquerda, o Brasil247.

Por fim, foi frequente um link da Rádio CBN, canal de mídia tradicional, repercutindo a declaração de Jair Bolsonaro sobre a invasão do Capitólio, o Congresso dos Estados Unidos, após o então presidente Donald Trump encorajar a tese de existência de fraude eleitoral no pleito de 2020 e deslegitimar seu resultado. Na relação, ainda aparecem o link de acesso a uma sala de reunião no aplicativo Zoom e de um site sem expediente, chamado ÉAssim. Os links internos, por sua vez, consistem na replicação de postagens já populares, como aquelas provenientes de políticos e figuras públicas, em perfis pessoais. Assim sendo, prepondera o compartilhamento de publicações de nomes como Jair Bolsonaro, Carla Zambelli, Bia Kicis e Filipe Barros, que já aparecem entre os atores e entre as postagens mais relevantes na temática. Todas são conteúdos imagéticos: 20 vídeos (entre transmissão ao vivo e mídia embedada) e dez fotos (com cunho de propaganda bolsonarista).

3. CONCLUSÕES

Este estudo buscou entender as características das postagens sobre acusações de fraude nas urnas eletrônicas e voto impresso auditável realizadas no Facebook no período entre novembro de 2020 e janeiro de 2022. A investigação lançou luz sobre os autores e as interações recebidas por essas mensagens, a fim de compreender, em mais um esforço de pesquisa, onde está situada a força de mobilização da agenda de contestação eleitoral no contexto político atual do Brasil. Este é o terceiro relatório de pesquisa dedicado a essa temática. Junto aos dois estudos anteriores (RUEDIGER et al., 2020a; RUEDIGER et al., 2020b), identificamos que a desconfiança sobre o sistema de votação eletrônico é uma pauta perene, pelo menos desde 2014, na conversação pública, no âmbito das mídias sociais, deslocando-se de públicos segmentados da centro-direita para a direita radical, e que cresce em frequência e em interação a partir de 2018. O ano de 2021 chama atenção pela quantidade de postagens e interações, que, em alguns meses, chega a ultrapassar o ano eleitoral de 2018, referência na temática no contexto recente.

Em 15 meses, esse conjunto de 394.370 postagens identificadas foi publicado por 27.840 contas e rendeu mais de 111 milhões de interações, o que também evidencia o quão ativa a pauta é e o quanto de material recente está disponível para circular novamente quando conveniente. Em geral, as postagens populares sobre o assunto, em termos de interações, são aquelas vinculadas ao discurso de não aceitação do resultado eleitoral, bem como de ocorrência de fraudes em eleições anteriores e riscos futuros, e não necessariamente aquelas relacionadas à discussão ou crítica técnica, promovida por especialistas de computação e áreas correlatas, sobre transparência, segurança digital e urnas eletrônicas. Ao contrário disso, as postagens mais populares sobre o assunto são publicadas por políticos aliados ao governo Jair Bolsonaro, pelo próprio presidente da República e por páginas de apoiadores, entre blogueiros e grupos conservadores. A exceção disso é Roberto Requião (MDB) que passou a defender a possibilidade de violação do voto e a implementação de uma urna mista, tendo já apresentado, em 2001, uma proposta de urna eletrônica com máquina impressora.

De todo modo, chama atenção que contas aparentemente associadas a organizações orgânicas de base – como centenas de milhares de páginas e grupos que fazem referência a Bolsonaro, seus filhos e lideranças de base de apoio, bem como aquelas que remetem, em seus títulos, a valores do conservadorismo de direita radical, com uma ideia exacerbada de patriotismo e do papel dos costumes morais, além do intervencionismo e armamentismo e etc. – estejam entre as contas que publicaram sobre o assunto dezenas de milhares de vezes em 15 meses. Assim, é necessário investigar mais o quanto essas contas estão articuladas no processo de disseminação dessas mensagens no Facebook e a relação delas com uma máquina de propaganda e campanha políticas não-oficiais (DOS SANTOS, 2017) e, portanto, mais tipicamente vinculadas a campanhas de desinformação, visando a manipulação de opinião individual e coletiva. Frisa-se, também, que alegações de fraude nas urnas eletrônicas e os pedidos por voto impresso auditável são associados a outros discursos potencialmente perigosos, transitando entre os estigmas envolvendo o ideário de “esquerdismo” e ataques institucionais, principalmente ao STF, ao TSE e a seus ministros. Análises textuais e de conteúdo futuras podem focar nesses aspectos.

4. REFERÊNCIAS

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BENKLER, Yochai; FARIS, Rob; ROBERTS, Hal. Network propaganda: Manipulation, disinformation, and radicalization in American politics. New York: Oxford University Press, 2018.
DOS SANTOS, Marcelo. Campanha não oficial–A Rede Antipetista na eleição de 2014. Fronteiras-estudos midiáticos, v. 19, n. 1, p. 102-119, 2017.

DOURADO, Tatiana. Fake news, quando mentiras viram fatos políticos. Porto Alegre: Editora Zouk, 2021.
PIAIA, Victor Rabello. Comunicação política e construção da realidade: o WhatsApp nas eleições presidenciais de 2018. 2021. 180f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

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ROCHA, Camila. ‘From Orkut to Brasília: the origins of the New Brazilian Right’. In: HATZIKIDI, Katerina; DULLO, Eduardo (eds.). A horizon of (im)possibilities: a chronicle of Brazil’s conservative turn. London: University of London Press, 2021, p. 81-101.

RUEDIGER, Marco Aurelio; CALIL, Lucas; RUEDIGER, Tatiana; GRASSI, Amaro; CARVALHO, Danilo; FERREIRA, Humberto.; LENHARD, Pedro; FARIA, Ricardo; DIAS, Tamires. Nem tão #simples assim: o desafio de monitorar políticas públicas nas redes sociais. Rio de Janeiro: FGV DAPP, 2017. Disponível em: http://dapp.fgv.br/wp-content/uploads/2017/03/PT_nem-tão-simples-assim.pdf. Acesso em: 31 jan 2022.

RUEDIGER, Marco Aurelio; GRASSI, Amaro; DOURADO, Tatiana; CALIL, Lucas; PIAIA, Victor; ALMEIDA, Sabrina; CARVALHO, Danilo. Desinformação on-line e eleições no Brasil. Policy paper. Rio de Janeiro: FGV DAPP, 2020a. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30085. Acesso em: 7 out. 2021.

RUEDIGER, Marco Aurelio; GRASSI, Amaro; DOURADO, Tatiana; PIAIA, Victor; ALMEIDA, Sabrina; CARVALHO, Danilo; SILVA, Lucas Roberto; BARBOZA, Polyana. O ecossistema digital nas eleições municipais de 2020 no Brasil: O buzz da desconfiança no sistema eleitoral no Facebook, YouTube e Twitter. Policy paper. Rio de Janeiro: FGV DAPP, 2020b. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30061. Acesso em: 8 dez. 2021.

5. EXPEDIENTE

Coordenação de Pesquisa
Marco Aurelio Ruediger
Amaro Grassi

Pesquisadores
Tatiana Dourado
Polyana Barboza
Victor Piaia
Dalby Hubert

Revisão técnica
Renata Tomaz

Projeto gráfico
Daniel Almada
Luis Gomes

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