Principais Resultados
- Quase 1,5 milhão de posts que abordam temas de desconfiança no sistema eleitoral foram postos em circulação via plataformas de mídias sociais no intervalo de 1 a 30 de novembro de 2020 — a maior parte no Twitter, seguido do Facebook e, por fim, do YouTube.
- As eleições dos Estados Unidos, o ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a pane na contagem de votos no primeiro turno dos pleitos municipais no Brasil impulsionaram o debate sobre desconfiança eleitoral, em que episódios específicos de alegações de fraudes associadas aos pleitos nacionais obtiveram pouca expressão.
- Episódios adjacentes e o clima eleitoral se constituíram uma ponte para a reestruturação discursiva do argumento de suposta fraude nas urnas, com maior predominância da mobilização em torno do voto impresso.
- O debate sobre voto impresso é mobilizado em todas as principais narrativas ocorridas no período analisado de 30 dias, com destaque para a desconfiança na segurança, na transparência e na integridade dos sistemas do TSE.
- As hashtags #votoimpressoem2022 e #votoimpressojá figuram entre as mais compartilhadas no período investigado, somando quase 90 mil menções.
- O mapa de interações feito a partir do sistema de recomendações do YouTube mostra predomínio da repercussão da alegação de fraude nas eleições dos Estados Unidos entre os canais brasileiros. Junto a canais alternativos e hiper-partidários, conteúdos da grande imprensa são peças-chave para atrair audiências aderentes aos discursos antissistema.
- A organização e a coordenação em torno do tema produziram engajamento expressivo quando direcionado à crítica ao sistema eleitoral; do ponto de sua defesa não houve mobilização relevante.
Apresentação
Este é o segundo policy paper no âmbito do projeto Digitalização e Democracia no Brasil, uma parceria entre a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) e a Embaixada da Alemanha no Brasil. Até 2022, uma série de pesquisas aplicadas e iniciativas, como seminários e oficinas, será desenvolvida com o objetivo de ampliar a compreensão e buscar resoluções sobre problemas complexos que envolvem a relação entre política, democracia e plataformas de mídias sociais — em especial, o fluxo de mensagens, a discussão pública e a ação coletiva que se baseiam em informações potencialmente enganosas, extremistas e antidemocráticas. O projeto busca somar esforços para construir conhecimento e desenvolver mecanismos para frear ameaças on-line e fortalecer valores democráticos no Brasil.
Neste estudo, analisamos a presença e a proeminência de publicações relacionadas à desconfiança no sistema eleitoral que circularam no Facebook, no YouTube e no Twitter no contexto das eleições municipais de 2020 no Brasil. Este relatório é uma continuação do documento “Desinformação on-line e eleições no Brasil: a circulação de links sobre desconfiança no sistema eleitoral brasileiro no Facebook e no YouTube (2014-2020)”. Enquanto no presente relatório focamos no caso das eleições de 2020, no estudo anterior documentamos o histórico de links que circulam longitudinalmente em dois dos principais espaços de trocas informativas e de interação social para os brasileiros. O objetivo foi evidenciar que conteúdos, capazes de gerar engano e desinformação, são reutilizados em anos eleitorais e não eleitorais graças a seu fácil acesso on-line.
Desta vez, expandimos o escopo da análise para propiciar panorama mais aprofundado do tema em questão a partir de um evento específico. Nesse sentido, optamos por não recortar a pesquisa em torno dos links, mas investigar a evolução e a dinâmica do debate a partir do deslocamento dos conteúdos. Agregamos ao estudo, além de Facebook e YouTube, o Twitter, ambiente que ancora processos de formação (e distorção) da opinião pública porque reúne os líderes de opinião mais influentes do país, entre jornalistas, analistas, intelectuais, políticos e influenciadores digitais, de todo o espectro ideológico. Nossa proposta foi olhar para diferentes plataformas com o intuito de compreender a conformação desse ecossistema digital vinculado a narrativas populares que suportam as ideias que sugerem que o sistema da Justiça Eleitoral, a contagem de votos e os resultados dos pleitos são falhos e fraudulentos.
Englobamos no guarda-chuva denominado “desconfiança no sistema eleitoral” temas e subtemas associados a alegações de fraude nas urnas eletrônicas, demanda por voto impresso como alternativa viável às urnas eletrônicas, denúncias de que uma urna computou votos em favor de outro(a) candidato(a), interferência ilegítima de atores nacionais e internacionais com propósito de manipular o resultado, eleição como farsa ou como processo maquinado em prol de grupos políticos, manipulação do processo de apuração e contagem de votos. É importante considerar que o estudo não considera como atos contestatórios nocivos à saúde democrática posicionamentos críticos que visam ao aperfeiçoamento da segurança e à eficácia do processo eleitoral. A linha é tênue, claro, mas é importante frisar que o alvo de preocupação deste projeto se volta a discursos e a ações frequentes on-line que flertam ou se inserem na linha da conspiração, do autoritarismo e da desinformação. São, portanto, conteúdos de teor antissistema.
>> Leia toda Apresentação na versão completa do estudo em PDF
Métodos
Este segundo relatório investiga o conjunto de publicações sobre desconfiança no sistema eleitoral publicado nas plataformas de mídias sociais no mês de novembro de 2020, no contexto das eleições municipais. O nosso objetivo é o de compreender as origens e as redes de conversação que ecoam essas narrativas tendo como caso a disputa municipal brasileira. Com isso, focamos o estudo em três plataformas centrais para a discussão pública nacional, que são Facebook, YouTube e Twitter. O período de análise compreende de 1 a 30 de novembro, o que abrange os dias de votação do primeiro e do segundo turno (15 e 29 de novembro, respectivamente).
A coleta de dados é orientada por uma estrutura linguística de categorização temática criada no âmbito da FGV DAPP. Essas regras linguísticas, também aplicadas na primeira parte deste ciclo de estudos, são específicas para o tema da desconfiança eleitoral e abrange diversas narrativas e subnarrativas em torno de: fraude nas urnas, voto impresso, irregularidades eleitorais, danos a equipamentos, interferência ilegítima de atores nacionais e internacionais nas eleições, iminência de golpe eleitoral, ameaças de manipulação das eleições, desconfiança quanto ao processo de apuração e contagem de votos.
Os procedimentos de coleta de dados foram realizados em consonância com as possibilidades de cada plataforma. No Facebook, os posts foram coletados de perfis verificados, páginas e grupos públicos com mais de 100 mil seguidores monitorados pela ferramenta CrowdTangle. No YouTube, a pesquisa usou a API pública da plataforma. No Twitter, a ferramenta TrendsMap. Em um primeiro momento, uma base de dados brutos em língua portuguesa foi estruturada contendo 10.281.987 posts provenientes dessas três plataformas.
Em um segundo momento, foi preciso excluir publicações que mencionavam o sistema eleitoral, seus atores e instituições de modo informativo ou em diálogo com temas eleitorais não relacionados a narrativas de desconfiança, como prestação de contas, divulgação de candidaturas, informes do processo de votação, avisos de debates e movimentos ordinários de campanhas para as prefeituras e câmaras municipais. Excluímos, ainda, conteúdos relacionados a fraudes, mas que não tratavam de eleições, como mensagens sobre golpes financeiros e do comércio. Ao fim, o corpus da pesquisa comportou um total de 1.426.687 publicações, sendo a maior parte originária do Twitter, vindo Facebook e YouTube em seguida (Tabela 1).
Tabela 1 – Quantitativo de posts e corpus final (novembro de 2020)
Coleta por plataforma |
Dados brutos |
Dados filtrados |
Facebook |
326.114 |
96.001 |
YouTube |
10.573 |
862 |
Twitter |
9.945.300 |
1.330.600 |
Total |
10.281.987 |
1.426.687 |
Fonte: FGV DAPP
Delimitamos duas seções de análise. A primeira examina a variação das publicações que abordam esse tema no decorrer do mês eleitoral de 2020. A segunda se debruça sobre o conteúdo dessas publicações. Um conjunto de ferramentas provenientes do campo de pesquisa em métodos digitais (ROGERS, 2017a; 2017b) foi organizado para cada fase da pesquisa e de acordo com cada plataforma. As ferramentas e técnicas usadas serão apresentadas nas seções de análise.