Democracia Digital

Digitalização e Esfera pública no Brasil

A Extrema Direita Global

Brasil estabelece ecossistema próprio no Parler e mimetiza extrema direita americana

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1. SUMÁRIO EXECUTIVO

Este documento apresenta os resultados de uma análise sobre as articulações e ações de grupos radicalizados em plataformas de mídias sociais alternativas. A crescente migração para essas redes sociotécnias pode estar relacionada à atuação mais incisiva de big techs como Facebook e Twitter na contenção do discurso de ódio e de ataques às instituições democráticas. Para entender esse processo, será analisada a presença de grupos de extrema-direita no Parler, plataforma com regras mínimas para o banimento ou exclusão de mensagens e perfis. A partir de uma base de dados global com 93,4 milhões de publicações entre 03 de novembro de 2020 e 07 de janeiro de 2021, busca-se: i) a identificação dos principais temas, influenciadores e grupos de interação no período; ii) uma análise específica da atuação do conjunto brasileiro na plataforma; e iii) o mapeamento das interações entre grupos de extrema-direita no Brasil e nos Estados Unidos. Os resultados mostram a formação de uma rede transnacional engajada na reprodução de discursos que visam corroer a credibilidade de instituições democráticas.

  • Rede apresenta pico de mensagens durante a contagem de votos da eleição presidencial americana e no período da invasão ao Capitólio;
  • Interações do conjunto conservador brasileiro reagem a publicações de influenciadores da extrema-direita americana que propagaram denúncias de fraude na eleição presidencial dos Estados Unidos;
    53,6% dos perfis ligados ao grupo sobre o Brasil interagiram com conteúdos sobre fraude eleitoral no período, recepcionando argumentos americanos ao contexto brasileiro;
  • O compartilhamento de um ideário conspiracionista e negacionista deve servir de alerta para que ações de descrédito da democracia ou de ataque institucional não sejam mimetizadas em escala mundial;
  • Dados alertam para possível interferência ideológica de grupos extremistas de direita externos ou de países de regimes autoritários no pleito de 2022, colocando o Brasil como uma peça do jogo geopolítico de radicais antidemocráticos.

Em um monitoramento inédito, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) coletou 93,4 milhões de publicações da plataforma Parler, entre 03 de novembro e 07 de janeiro de 2021. O período compreende desde o dia da eleição presidencial dos Estados Unidos ao dia seguinte à invasão do Capitólio, por apoiadores de Donald Trump.

O Parler é uma plataforma de mídias sociais no formato de microblog, ou seja, organizada a partir de publicações curtas, com até mil caracteres. Na plataforma, os usuários podem acompanhar publicações de perfis selecionados, que são ordenadas em uma timeline a partir de um critério cronológico. As funcionalidades do Parler se assemelham ao Twitter, com a possibilidade de votar, comentar e ecoar publicações. A rede, no entanto, se apresenta como uma alternativa ao Twitter, reforçando a defesa da liberdade de expressão e adotando critérios mínimos para o banimento ou exclusão de mensagens (pornografia, terrorismo etc.).

A rede já vinha sendo utilizada pela extrema-direita americana ao menos desde 2019. A decisão do Twitter de excluir publicações do presidente Donald Trump, por infringir as regras da comunidade, acelerou a transição do conjunto de seguidores mais radicais do presidente para o Parler. No Brasil, a partir de julho de 2020, também houve campanhas para a adesão à rede por parte da direita, com a criação das contas de membros do governo e influenciadores do campo conservador brasileiro, entre outros. Essas campanhas se intensificaram a partir da eleição presidencial dos Estados Unidos.

Evolução de mensagens no Parler
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2021

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

O gráfico de evolução de publicações mostra picos significativos em dias chave para o eleitorado de Donald Trump. No dia 9 de novembro de 2020, durante a contagem de votos da eleição presidencial dos EUA, foram coletadas 3,4 milhões de publicações, mais de cinco vezes o volume observado no dia da votação, em 03 de novembro. O volume de publicações, então, passa a apresentar uma queda constante até os dias 06 e 07 de janeiro, dias da invasão do Capitólio e de sua repercussão. Esses dois dias somaram 2,7 milhões de publicações.

O Parler apresenta uma estrutura que difere da observada em outras plataformas de mídias sociais usualmente analisadas. A principal distinção está relacionada à ausência de representatividade de perspectivas políticas. Entre os 4 principais conjuntos encontrados, que somam 99,1% das interações ocorridas na plataforma, há amplo consenso em relação à defesa de pautas conservadoras, especialmente ligadas à plataforma política de Donald Trump. As diferenças, que serão analisadas a seguir, ocorrem a partir de divergências e diferentes enquadramentos de questões dentro do mesmo espectro político.

A distribuição dos grupos no mapa de interações a seguir aponta para alguns indícios da dinâmica do debate ocorrido no Parler. O conjunto Laranja é o maior e mais denso, o que representa uma maior concentração de perfis e de interações. Já os grupos Azul e Rosa apresentam distribuição mais espaçada e com muitos pontos de interseção com o conjunto principal. Esses dois grupos, em especial o Azul, se distinguem do Laranja espacialmente e também pelo formato menos denso, com vários pequenos grupos isolados. A partir disso, é possível dizer que esses grupos conformam sub narrativas ou subconjuntos de atores com ligações com o grupo principal. O grupo Verde, por sua vez, posiciona-se destacado dos três outros conjuntos. Além disso, apresenta-se com nós separados e baixa densidade.

Mapa de interações no Parler
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2021

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

Laranja ‒ 57,8% dos perfis | 93,6% das interações
Principal conjunto da plataforma, apresentou distribuição hiperconcentrada, com mais de 90% das interações de toda a coleta. Foi formado por apresentadores e comentaristas políticos ligados à Fox News, influenciadores conservadores e defensores de teorias como o QAnon e também por ativistas de pautas anti-imigração. Entre as postagens com mais interações, há grande predominância de denúncias de fraude nas eleições americanas, com três principais abordagens. 1) Publicações que elencam supostas evidências e argumentos que comprovariam a fraude no sistema de votação, com destaque para convocações para o envio de registros pessoais de membros sobre supostas irregularidades em suas localidades; 2) teorias da conspiração sobre conluios entre países, empresas, o partido democrata, veículos de mídia e plataformas de mídias sociais para a execução da suposta fraude eleitoral e consequente derrota de Trump; 3) convocações para manifestações e atos contra a suposta fraude eleitoral e em defesa de Trump, com destaque para a manifestação do dia 06 de janeiro, no Capitólio, em uma mensagem em nome da congressista republicana Marjorie Taylor Greene, que, entre outras demandas, ressalta a necessidade da mobilização de uma base armada junto aos manifestantes.

Azul ‒ 36,8% dos perfis | 4,2% das interações
Subconjunto do grupo Laranja, o grupo Azul apresentou como principais influenciadores a página oficial da campanha de Donald Trump na plataforma; apresentadores conservadores de TV e Rádio; o fundador e CEO do Parler, John Matzer; e alguns perfis com envolvimento com a política institucional, como ex-deputados do partido Republicano. O grupo se engajou em relação às denúncias de fraude eleitoral, mas também apresentou, entre suas principais publicações, uma defesa do legado de Donald Trump, como a compra de vacinas contra a Covid-19 e ações contra a corrupção. Por fim, há diversas publicações sobre a entrada de novos membros no Parler e relatos sobre constrangimentos ocorridos em outras plataformas.

Rosa ‒ 0,9% dos perfis | 1,0% das interações
Grupo formado por usuários comuns, usualmente sem identificação de imagem ou nome no perfil. Entre as principais publicações, destacam-se tutoriais sobre as funcionalidades do Parler, bem como listas e indicações de perfis a serem seguidos por novos membros. Os posts apresentaram característica menos estruturada em torno de argumentos ou denúncias, assumindo comportamento troll, com o uso de muitos emoticons, mensagens irônicas e ataques a outros usuários da plataforma.

Verde ‒ 0,3% dos perfis | 0,3% das interações
Base formada por perfis de influenciadores, apoiadores e políticos do movimento conservador brasileiro. Entre os principais influenciadores, destacam-se perfis de políticos ligados ao governo, como o próprio presidente, deputados e senadores, além de influenciadores sem ligação com a política institucional. É o único conjunto fora dos Estados Unidos a aparecer entre os principais grupos de discussão na plataforma. Entre os principais posts, destacam-se repercussões à suposta fraude eleitoral nos EUA e às manifestações organizadas em defesa de Donald Trump, com destaque para publicações que reportaram episódios de supostas irregularidades no momento do voto e da contagem. A implementação do voto impresso no Brasil foi pauta de uma das publicações com mais interações. Houve, também, mobilização em relação a temas caros à política interna, como o debate sobre a utilização do suposto tratamento precoce contra a Covid-19, críticas à atuação de governadores na pandemia e a divulgação de ações e resultados positivos da gestão de Jair Bolsonaro.

Debate brasileiro no Parler apresenta caráter internacionalizado, com referências ao contexto político dos Estados Unidos

Apesar de concentrar apenas 0,3% das interações no período, o grupo brasileiro foi o único de fora dos Estados Unidos a formar uma rede independente no aplicativo. Conforme já apontado, os quatro grupos detalhados no mapa somaram 99,1% das interações do período, o que restringe a apenas 0,9% a presença de apoiadores da direita em todos os outros países do mundo. Ou seja, na plataforma de mídia social em que se reúnem os perfis mais radicais do movimento conservador americano, o Brasil é o 2º país a concentrar os principais temas em discussão.

A presença do debate de outros países na plataforma se apresenta de modo diluído ou fortemente integrado ao debate político dos Estados Unidos. Os países anglófonos, em especial, se misturam aos grupos referentes ao debate americano, não constituindo uma rede própria referente aos temas de suas respectivas localidades.

O conjunto que debateu temas ligados ao Brasil somou 136 mil interações realizadas por 8,1 mil perfis (não necessariamente brasileiros). Trata-se de um conjunto pequeno em relação ao número de apoiadores do movimento de direita em outras mídias sociais, no entanto, a compreensão do ecossistema comunicativo formado pela direita no Brasil envolve uma distinção entre os papéis e as especificidades de cada rede para a formação das narrativas e estratégias de ação empregadas por essa base.

Nuvem de palavras das interações no grupo Verde
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2021

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

A nuvem de palavras das interações do grupo Verde mostra a forte presença de termos ligados ao contexto americano, com referências e hashtags associadas à campanha de Donald Trump. A presença de hashtags com nomes de estados americano como #Wisconsin2020, #Arizona, #NorthCarolina e #GeorgianElections se referem a publicações que relataram o processo de contagem de votos, usualmente acompanhadas de denúncias e acusações de suposta fraude eleitoral. As menções em português, por sua vez, apresentam termos institucionais, como “presidente”, “governo” e “ministérios”, o que aponta para uma comunicação padronizada, em linguagem distinta das interações produzidas por grupos políticos em outras plataformas de mídias sociais.

Nesse sentido, o caráter internacional das discussões ocorridas no Parler e a forte influência de temas ligados à extrema-direita norte-americana, motivaram uma análise específica sobre as interações entre o grupo formado por atores e engajado em temas brasileiros e os outros conjuntos evidenciados na análise do mapa de interações.

As interações entre a direita brasileira e a extrema-direita americana

Das 136 mil interações ocorridas no grupo brasileiro, 29,6 mil (21,7%) foram direcionadas a perfis e publicações de outros conjuntos do mapa de interações. O gráfico abaixo apresenta para quais grupos se dirigiram as interações do conjunto brasileiro:

 

Interações do conjunto verde com os outros grupos
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2021 | Total de Interações: 29.664

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

Conforme mostra o gráfico acima, o conjunto Laranja foi o alvo da maior parte das interações do grupo Verde. Destaca-se, também, a atividade do grupo Verde para o Azul, com 12,38%. No sentido oposto, o conjunto Rosa foi alvo de apenas 0,1% das interações do grupo Verde com outros conjuntos, o que sugere que as referências do grupo de temática brasileira são influenciadores e comentaristas consolidados no debate americano.

O gráfico a seguir apresenta os principais perfis que receberam interações originárias do conjunto Verde. Inicialmente, nota-se a forte presença do perfil oficial da campanha de Donald Trump no Parler, @TeamTrump, o que explica o volume de interações com o conjunto Azul. O segundo perfil com mais interações do grupo Verde foi o @WarRoomPandemic, programa apresentado pelo ideólogo da extrema-direita americana Steve Bannon. Na sequência, surgem perfis como os apresentadores Mark Levin e Don Bongino, o advogado L. Lin Wood, além da deputada republicana Marjorie Taylor Greene, punida pelo Congresso dos EUA por apoiar teorias de conspiração, como o QAnon, e um dos nomes a convocar a manifestação no Capitólio.

Principais perfis com os quais o conjunto verde interagiu
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2021

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

O gráfico evidencia o estabelecimento de vínculos com lideranças do movimento de extrema-direita global e, em particular, com atores que de maneira contumaz se utilizam de suas redes para direcionar ataques às instituições democráticas. A seção a seguir avança sobre os conteúdos específicos que foram mobilizados nessas interações.

Ataques às instituições e denúncias de fraude eleitoral estão entre os principais conteúdos que o grupo Verde mais interagiu

Em uma análise das palavras mais frequentes nas publicações que perfis do conjunto Verde interagiram, nota-se a predominância de publicações que mobilizaram denúncias sobre supostas fraudes no processo de apuração dos votos das eleições presidenciais americanas e incentivaram críticas e ataques às instituições do país. Essa característica fica evidente com a forte presença de termos associados ao debate sobre fraude nas urnas, com palavras de denúncia, como “fraud”, “irregularities” e “supression”, palavras de ordem, como “stopfraud”, expressões de ação, como “stop” e “must”, além de menções aos candidatos e partidos envolvidos no pleito.

Nuvem de palavras das publicações com as quais o conjunto Verde interagiu
Período: de 03 de novembro de 2020 a 07 de janeiro de 2022

Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Parler | Elaboração: FGV DAPP

Adicionalmente, foi realizada uma filtragem específica para mensurar o volume do discurso no conjunto Verde relacionado às narrativas de fraude eleitoral. Das 136 mil interações ocorridas no grupo Verde, 106 mil continham elementos textuais e, dessas, 35,5 mil (33,4%) mobilizaram termos ligados às narrativas de fraude nas urnas, voto impresso e desconfiança no sistema eleitoral em português e inglês.

O engajamento no tema também é expressivo quando analisado do ponto de vista dos perfis que compuseram o grupo Verde. O cálculo de agrupamento utilizado pela FGV DAPP identificou 8.138 perfis no grupo Verde, dos quais 4.365 (53,6%) interagiram com publicações que mobilizaram termos ligados às narrativas de fraude nas urnas, voto impresso e desconfiança no sistema eleitoral em português e inglês.

Nota-se, portanto, não somente a presença de um conjunto brasileiro em uma rede amplamente utilizada pela extrema-direita global, como suas interações com perfis ligados a ataques às instituições americanas e teorias da conspiração e, mais especificamente, a ampla interação com publicações que incentivaram narrativas de fraude no sistema eleitoral americano.

Observa-se, no entanto, um padrão de atividade reativo nas interações do conjunto conservador brasileiro com os grupos de extrema-direita dos Estados Unidos, com repercussão de declarações de lideranças americanas e tentativas de mimese de argumentos desenvolvidos ao contexto brasileiro, como na emergência do tema do voto impresso. Não foram observadas ações que permitam estabelecer qualquer envolvimento do grupo brasileiro no planejamento ou execução dos ataques ao Capitólio. Identificou-se somente a forma como esse discurso impactou o conjunto brasileiro, municiando-o de argumentos para o questionamento da lisura dos procedimentos e das instituições eleitorais do país.

Os dados apontam para uma potencial mimetização de tensionamentos institucionais durante a eleição, a exemplo do ocorrido nos Estados Unidos, e alertam para a urgente organização contra a interferência ideológica de grupos extremistas de direita externos ou de países de regimes autoritários no pleito de 2022. O Brasil não pode se tornar um jogo geopolítico de radicais antidemocráticos.

O espanto global com a violência e o desrespeito às instituições observados na manifestação que invadiu o Capitólio, aumentou a preocupação com a crescente disseminação e adesão a discursos que visam minar a confiança das instituições democráticas. As plataformas de mídias sociais, são ambientes decisivos nesse processo de corrosão democrática, permitindo a articulação de redes que se aproveitam da falta de regulação para a disseminação de discursos radicalizados.

Esses movimentos, longe de se restringirem aos seus contextos nacionais, também estabelecem redes com movimentos radicalizados de outros países, permitindo trocas de experiências, táticas e argumentos que prosperam em cada localidade de acordo com o contexto social, político e institucional. Ou seja, a reação das instituições americanas contra os manifestantes e a posse de Joe Biden não são garantias da neutralização de discursos anti-democráticos, especialmente quando se observa a recepção dessas narrativas por lideranças e militantes em outros países.

Em um mundo cada vez mais conectado, ameaças às instituições democráticas devem ser compreendidas em uma perspectiva global. O mapeamento das redes de interação virtuais entre grupos radicalizados é tarefa central nesse processo e a identificação de relações de perfis brasileiros com grupos que promoveram atos antidemocráticos nos Estados Unidos acende o alerta para a necessidade de ações que reforcem a confiança nas instituições democráticas e constranjam o crescimento de ameaças ao regime no país.

2. Considerações finais

O Parler é uma plataforma de mídia social que apresenta debate público com características muito distintas de plataformas como Facebook e Twitter, por exemplo. Dominada por atores ligados a movimentos de direita, apresenta discussão muito homogênea e com pouquíssimos espaços para o dissenso. A análise realizada pela FGV DAPP com mais de 93,4 milhões de publicações na plataforma entre 03 de novembro de 2020 e 07 de janeiro de 2021, mostra que a rede apresentou picos de menções em momentos-chave da derrota política de Donald Trump, como na contagem de votos da eleição presidencial e no dia do protesto que invadiu o Capitólio.

Três dos quatro principais grupos que compuseram o debate na plataforma foram formados por perfis ligados à política norte-americana e mobilizaram denúncias sobre suposta fraude eleitoral, além de críticas à imprensa e a outras plataformas como o Twitter e o Facebook.

O quarto grupo, por sua vez, foi formado por perfis ligados ao debate político brasileiro, com forte repercussão de ações positivas do governo. Pouco mais de ⅕ das interações do grupo foram direcionadas aos grupos ligados ao debate norte-americano, repercutindo as denúncias sobre suposta fraude eleitoral e recepcionando postagens de influenciadores da extrema-direita americana, como o ideólogo Steve Bannon e a deputada republicana ligada ao movimento QAnon, Marjorie Taylor Greene.

Observa-se que a plataforma é um dos principais espaços de troca entre os apoiadores do movimento conservador brasileiro e o debate estabelecido entre influenciadores e políticos ligados à extrema-direita norte-americana. É digno de nota, também, que o Brasil seja o único país, diferente dos EUA, a estabelecer uma rede própria na plataforma, o que demonstra o grau de coordenação e mobilização digital do movimento conservador brasileiro em ambientes digitais.

Em uma análise específica sobre o engajamento do grupo Verde em torno das denúncias de fraude eleitoral, nota-se a presença do debate em 33,4% das postagens textuais repercutidas pelo grupo. O engajamento é ainda maior quando analisado do ponto de vista dos atores, em que 53,6% dos perfis ligados ao grupo Verde estabeleceram ao menos uma interação com publicações relacionadas às denúncias de fraude eleitoral.

Por fim, é importante estabelecer algumas ponderações sobre o papel e o tamanho do Parler no ecossistema comunicativo brasileiro e, mais especificamente, na base de apoio à direita no país. O volume de mensagens e o engajamento identificados no Parler é baixo em comparação ao observado em redes como o Twitter e o Facebook. O ecossistema comunicativo estabelecido nos últimos anos, no entanto, não pode ser compreendido somente em termos numéricos, devendo ser destacado, também, as funções de cada plataforma.

O Parler se apresenta como uma plataforma voltada para militantes com alto grau de engajamento, constituindo-se em um espaço de discussão “interna”, sem a presença de temas, opiniões e debates dissonantes – que podem dispersar o processo de construção de narrativas. A forte presença de comunicação institucional também o posiciona como um espaço inicial da disseminação de conteúdos positivos sobre o governo, alimentando a base aliada de argumentos contra contestações e críticas em outros ambientes.

O Parler também é mobilizado em discursos que visam alimentar críticas sobre supostas perseguições e ações de censura à militância conservadora em outras plataformas como o Twitter, o Facebook, WhatsApp e o YouTube. A grande presença de postagens com relatos de banimentos e exclusões em outras redes é um indicativo dessa consonância entre as narrativas conservadoras e a plataforma – que intencionalmente a alimenta.

Talvez a característica mais distintiva do Parler, no entanto, seja o seu forte caráter internacional, com o estabelecimento de redes de interação entre grupos de direita radicalizada em diferentes países, com destaque para o Brasil e o Estados Unidos. Isso fica evidente com a presença de mais de ⅕ das interações direcionadas a perfis de grupos ligados ao debate americano e também pela influência temática dos temas debatidos nos conjuntos sobre a política americana, com destaque para as denúncias de fraude eleitoral.

O banimento da plataforma pelo Google, Apple e Amazon, em janeiro de 2021, sugere que a plataforma ainda carece de estabilidade, colocando em dúvida sua permanência e crescimento no tempo. Sua relevância em eventos políticos recentes, no entanto, é um demonstrativo da potencialidade desse tipo de ambiente digital para a formação e organização de grupos políticos radicalizados. Os dados apresentados, portanto, longe de estabelecer conclusões fechadas, visam contribuir com o enriquecimento do debate, apontando caminhos e padrões da comunicação política e da mobilização digital no mundo contemporâneo.

3. Nota metodológica

Todos os dados utilizados nesta publicação têm origem no conjunto de dados coletados e disponibilizados por Aliapoulios et al. (2021).

A base de dados foi modelada como um sociograma a partir das relações expressas entre o autor de cada publicação e o autor da publicação referenciada no campo Parent. Dessa forma, uma aresta foi criada entre cada usuário interagindo com a publicação original de outro usuários.

Os grupos foram divididos por meio da aplicação de um algoritmo de grupabilidade (Blondel et al., 2008). Cada cor na figura do mapa de interações representa um dos quatro maiores grupos identificados pelo algoritmo.
O tamanho de cada um dos perfis no sociograma reflete proporcionalmente o número de interações recebidas por cada nó, independente de seu tipo.

Neste estudo, nenhum dado estranho à base de dados original foi coletado, armazenado ou analisado pela equipe da FGV DAPP.

4. Referências

Max Aliapoulios, Emmi Bevensee, Jeremy Blackburn, Barry Bradlyn, Emiliano De Cristofaro, Gianluca Stringhini, & Savvas Zannettou. (2021). A Large Open Dataset from the Parler Social Network (Version 1) [Data set]. Zenodo. http://doi.org/10.5281/zenodo.4442460

Blondel, V. D., Guillaume, J. L., Lambiotte, R., & Lefebvre, E. (2008). Fast unfolding of communities in large networks. Journal of statistical mechanics: theory and experiment, 2008(10), P10008.

5. Expediente

FGV DAPP
Diretoria de Análise de Políticas Públicas | Fundação Getulio Vargas

Coordenação de Pesquisa
Marco Aurélio Ruediger

Pesquisadores
Amaro Grassi
Victor Piaia
Danilo Carvalho
Polyana Barboza

As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.
Esta é uma publicação sem vinculação política ou partidária, produzida pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP), que tem o objetivo de disponibilizar uma análise do cenário político brasileiro a partir do debate público nas redes sociais.

As análises produzidas neste Report não visam representar pesquisa eleitoral, e sim aferir a percepção social, no ambiente digital, acerca de temáticas da agenda pública, tais como atores políticos e pautas de políticas públicas. Portanto, não autorizam o seu uso para finalidades políticas, partidárias ou endosso de posições particulares. Mais informações acerca deste trabalho podem ser acessadas em dapp.fgv.br/observa2018/metodologia.

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