Democracia Digital

Digitalização e Esfera pública no Brasil

(Pseudo)ciência e esfera pública

Reivindicações científicas sobre Covid-19 no Twitter

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1. SUMÁRIO EXECUTIVO

Resumo:
O estudo analisa publicações do Twitter que reivindicam o status científico para trazer argumentos de autoridade a mensagens sobre a Covid-19, incluindo adesão ou crítica a medidas protetivas, aplicação ou não de vacinas e grau de periculosidade do vírus, entre outros. Os 3,3 milhões de posts que compõem o corpus da pesquisa foram publicados entre janeiro e maio de 2021. Dos quatro clusters identificados, o que mais angariou engajamento pautou principalmente a defesa do tratamento precoce, situando-se no campo do conservadorismo de direita em alinhamento com o governo Jair Bolsonaro. Os três outros clusters reagiram a isso, o que incluiu profissionais de saúde, autoridades sanitárias, epidemiologistas, jornalistas, além de influenciadores progressistas e de esquerda. No grupo alinhado ao governo, a longevidade de links que apelam à ciência para argumentar sobre a Covid-19 foi 150% maior do que nos outros três clusters identificados, o que aponta que, mesmo nem sempre observando parâmetros de método científico para embasar sua argumentação, o cluster da direita conservadora explora o status da ciência para defender seus pontos de vista.

Palavras-chave:
Covid-19; Twitter; ciência; pseudociência; esfera pública.

SÍNTESE DOS RESULTADOS

  • O cluster que atrai maior volume de interações (41,5%) no Twitter é formado por usuários alinhados ao campo da direita conservadora e à defesa de protocolos de tratamento precoce para Covid-19. Esse não é o primeiro, e sim o terceiro cluster em termos de quantidade de perfis conectados entre si. Mesmo com a fatia de 21,5% dos perfis, portanto, este agrupamento funciona isoladamente como vetor de circulação de mensagens que pregam a eficácia do tratamento precoce. O cluster mais populoso, com 29,6% dos perfis, é composto por profissionais de saúde, cientistas e autoridades sanitárias que aludem à falta de comprovação dos protocolos de tratamento precoce, entre outros tópicos, e é o terceiro em termos de interações (11,6%). O segundo cluster no que se refere a interações (34,5%) e perfis (24,9%) é representado pelo campo da esquerda, com críticas dirigidas ao governo federal; enquanto que o menor (9,5% de perfis e 7,7% das interações) é formado por epidemiologistas, jornalistas e associações de infectologia também críticos à condução da pandemia pela administração de Jair Bolsonaro.
  • Entre os cinco domínios com mais menções, respostas e retuítes pelo cluster defensor da eficácia do tratamento precoce, todos são veículos de mídia conservadora de direita e hiperpartidarizados. Domínios de sites da imprensa tradicional ocuparam as cinco primeiras posições do cluster ligado a profissionais da saúde e autoridades sanitárias e dividiram espaço com sites de orientação editorial à esquerda, no grupo de oposição ao governo, e à direita, no conjunto mais ligado à centro-direita.
  • O tempo de vida médio dos links em circulação sobre o assunto é de 100 horas em três dos quatro clusters. A exceção ocorre no cluster que defende o tratamento precoce, onde a duração sobe para 250 horas. Tendo em vista os dez links mais duradouros, é apenas no cluster defensor do tratamento precoce que se pode identificar URLs controversas e que propagam pseudociência. São sites anônimos que são alvos recorrentes de desmentidos e invalidados pela comunidade científica. O link mais duradouro circulou por 159 dias e é um exemplar dessa prática em defesa do tratamento precoce, assim como outros com mais tempo de vida. Já os três links menos duradouros circularam em torno de 85 dias e são todos de meios de comunicação.
  • O cluster favorável ao tratamento precoce foi aquele que isolou mais domínios exclusivos/predominantes. Isso significa que, em 44% dos links, 90% das menções, respostas e retuítes ocorreram dentro do próprio cluster. Um percentual significativo de isolamento de fontes informativas ocorreu no cluster que reúne usuários críticos ao governo e alinhados a campos da esquerda, por onde 31% dos links circularam preponderantemente.
  • Observa-se, também, que o cluster que defende a eficácia do tratamento precoce foi o conjunto que mais compartilhou seis dos quatorze domínios científicos que foram compartilhados por todos os clusters.

>> Acesse o estudo completo aqui

2. RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Análise do mapa de interações

Foram identificadas mais de 3,3 milhões de postagens no Twitter que, no debate geral sobre Covid-19, fazem reivindicação de algum lastro científico às respectivas asserções e posicionamentos.

Mapa de interações no debate sobre Covid-19 no Twitter, com reivindicações à ciência
Período de análise: 1º de janeiro a 31 de maio de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Laranja ‒ 29,6% dos perfis | 11,6% das interações
Mobilizado por profissionais da saúde e outras autoridades sanitárias, o grupo contesta as recomendações do suposto tratamento precoce, aludindo à falta de comprovação científica sobre a eficácia dos respectivos medicamentos. Além disso, postagens levantam suspeitas sobre relatos do sucesso dos remédios no tratamento da doença e reforçam o alerta de que a Covid-19 não se comportaria como uma simples gripe, insistindo em outras medidas, como o uso de máscaras e de álcool em gel.

Azul-claro ‒ 24,9% dos perfis | 34,5% das interações
Grupo liderado por políticos de esquerda, celebridades e ativistas sociais da oposição ao presidente Jair Bolsonaro atribui o atraso na imunização da população contra a Covid-19 à desconfiança do governo federal em relação às vacinas e à sua inércia na aquisição dos imunizantes. Ao mesmo tempo, insistindo na urgência da vacinação, postagens criticam o favorecimento, pelo governo, de medicamentos que compõem o chamado “tratamento precoce” e cuja eficácia contra a doença não estaria cientificamente comprovada.

Lilás ‒ 21,5% dos perfis | 41,5% das interações
Orbitando políticos de direita, blogueiros e influenciadores digitais conservadores, o grupo defende protocolos de tratamento precoce contra a Covid-19. Postagens apelam para desde relatos pessoais de recuperação da doença até estudos e declarações de especialistas internacionais, bem como a sua aprovação em países estrangeiros, no esforço de embasar a eficácia dos remédios. Algumas postagens questionam, ainda, a acusação dessa postura como sendo negacionista, com o argumento de que o negacionismo seria o impedimento de acesso da população ao tratamento precoce.

Verde ‒ 9,5% dos perfis | 7,7% das interações
Mobilizado por epidemiologistas, jornalistas e associações de infectologia, esse grupo repercute a ineficácia do uso da ivermectina e da cloroquina como tratamento precoce para a Covid-19. O grupo critica, ainda, o governo federal por insistir na produção e na propaganda desses medicamentos e menosprezar o investimento em vacinas e em um plano de vacinação para os brasileiros. Postagens denominam essa postura do governo federal como negacionista e destacam casos de apoiadores do governo que são a favor do tratamento precoce, mas tomaram vacina em outros países.

Domínios com mais menções, respostas e retuítes por cluster
Período de análise: 1º de janeiro a 31 de maio de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

O gráfico acima apresenta os domínios com mais menções, respostas e retuítes por cluster. No cluster Lilás é predominante a presença de sites hiperpartidarizados que se apresentam como mídias conservadoras – como revistaoeste.com e tercalivre.com.br. Costumam reivindicar participação mínima do Estado e, ao longo da pandemia, publicaram textos e reportagens em apoio ao governo federal. Outro grupo que também chama atenção pela presença de sites partidarizados é o Azul-claro que evoca canais noticiosos de esquerda, cuja identificação é marcada pelos ideais progressistas e defensores da democracia – destaque para diariodocentrodomundo.com.br e www.brasil247.com. Esse conjunto apresenta críticas ao governo federal no que diz respeito às medidas adotadas para enfrentar a pandemia e na insistência da narrativa a favor dos fármacos do tratamento precoce.

Os conjuntos Verde e Laranja são domínios marcados pelos sites tradicionais de comunicação – por exemplo: www1.folha.uol.br, g1.globo.com, oglobo.globo.com – que repercutem informações sobre as vacinas, contestam o uso dos medicamentos preventivos da Covid-19 e, ainda, salientam o alto investimento do governo brasileiro na compra de cloroquina. Vale ressaltar que o link www.oantagonista.com – com ampla circulação no domínio Verde – embora seja um canal informativo com posição editorial pública à direita, propaga informações salientando a ineficácia das drogas utilizadas como tratamento preventivo da Covid-19 e os possíveis danos que tais medicamentos podem causar à saúde.

Buscando mais detalhamento dos clusters, o gráfico abaixo apresenta os links que tiveram mais menções, respostas e retuítes em cada um deles. Dentre os domínios analisados, o cluster Lilás se apresenta como o mais expressivo com destaque para o site revistaoeste.com.

Links com mais menções, respostas e retuítes por cluster
Período de análise: 1º de janeiro a 31 de maio de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Um dado importante no gráfico acima é que enquanto os domínios Verde, Laranja e Azul-claro circulam informações da mídia tradicional brasileira – www1.folha.uol.br, oglobo.globo.com, g1.globo.com – o cluster Lilás, a partir dos canais noticiosos hiperpartidarizados, mobiliza links que evocam vozes de autoridades estrangeiras (da área da Saúde/da Administração/de instituições governamentais) para dar credibilidade e um efeito de “cientificidade” ao tratamento precoce.

Uma análise das manchetes dos principais links de cada cluster também mostra uma diferença em relação ao tom e aos objetivos das publicações do conjunto Lilás em relação aos outros. Enquanto o cluster Lilás é marcado por links que trazem elementos pretensamente científicos que buscam afirmar a eficácia de tratamentos contra a Covid-19 – os links compartilhados pelos outros três clusters adotam tom reativo, respondendo à pauta imposta pelo conjunto Lilás. Essa característica aproxima os clusters Verde, Laranja e Azul-claro a despeito da presença de sites de mídia alternativa com editoriais mais polarizados entre os domínios com maior repercussão.

2) Análise de tempo de vida dos links

Esta seção examina o tempo de vida de circulação dos links usados para reivindicação científica sobre a Covid-19 no Twitter. Para isso, levou-se em consideração a diferença, em termos de horas, entre a última e a primeira vez que o link apareceu em um tuíte no período analisado, independentemente de quantas vezes foi posteriormente compartilhado por parte dos usuários. Usou-se, para isso, um conjunto de 40 links, que foram os dez com mais tempo de vida em cada cluster e que tiveram pelo menos dois compartilhamentos. Na sequência, esta etapa examina ainda o acumulado de dias de circulação dos links. Assim, é possível avançar no entendimento sobre os hábitos de compartilhamento de conteúdos ancorados em links, que põem em evidência um texto típico de manchete (caça-clique ou não), conforme a gênese de funcionamento de diferentes clusters. Nos dois níveis de observação, os dados do conjunto de links pertencente ao cluster Lilás se diferem dos demais.

Esta análise evidencia que a média de duração dos links gira em torno de 250 horas no cluster Lilás, 100 horas no Azul-claro e no Verde, e 89 horas no Laranja. O cluster Lilás, cuja média mais do que dobra, é aquele que atraiu mais interações e que põe em evidência a defesa do tratamento precoce na conversação on-line no Twitter. Os outros três clusters apontam para um padrão médio em torno das 100 horas, com tempo médio um pouco menor no caso do maior agrupamento (Laranja), que reúne usuários ligados ao campo da saúde que rebatem a ideia do tratamento precoce. O cálculo da mediana, por sua vez, sinaliza a tendência central da distribuição temporal, sendo também aplicada nesta análise para controlar distorções em função do volume acentuado de dados. Assim sendo, em todos os clusters, o tempo central de vida dos links foi menor do que 10 horas, com duração maior no caso do agrupamento Lilás e menor no caso do Laranja.

Tempo de vida (em horas) de tuítes com reivindicação de ciência sobre a Covid-19
Período de análise: 1º de janeiro a 30 de maio de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Assim sendo, a URL mais duradoura circulou por 159 dias no Twitter, mas todas as que constam na amostra desta pesquisa foram compartilhadas por pelo menos 86 dias (Tabela 1). Entre as dez URLs com mais dias de circulação, cinco são do cluster Lilás, enquanto quatro são do Azul-claro e uma do Verde, o que evidencia a existência de ecossistemas endógenos por onde circulam informações controversas e rebatidas pelo mainstream científico e por autoridades de saúde nacionais e internacionais. Isto porque, como já apontado, o cluster Lilás é aquele que dá eco à defesa do uso de certos medicamentos para tratamento da Covid-19, o que tem sido refutado e desaconselhado, até o momento, pela comunidade científica estabelecida.

Para ilustrar a força do tema nesta comunidade on-line Lilás, a URL que assume o topo da lista se trata da https://ivmmeta.com/, com 159 dias de tempo de vida, é um site que sistematiza e publiciza estudos em defesa do tratamento precoce para a Covid-19. A conta do Twitter foi retirada do ar e o projeto acusa a plataforma de censura. Resultados científicos pró-tratamento precoce divulgados por essa página, usada como fonte de informação para outros canais que incidem no negacionismo e no hiperpartidarismo, já foram averiguados e comprovados falsos pelas principais iniciativas de verificação de fatos do Brasil.

O projeto Aos Fatos tem alertado que esse site anônimo veicula meta-análises, que são sínteses de resultados de pesquisas acadêmicas, porém com erros crassos de metodologia e sem rigor científico, visto que agrupam “estudos não comparáveis e que aplicaram a droga em dosagens e grupos de controle diferentes”. O site foi mencionado, junto a outros ao qual está interligado, no “Manifesto pela Vida”, uma peça publicitária assinada por médicos favoráveis ao tratamento precoce e publicada como anúncio pago em jornais de grande circulação no Brasil em fevereiro de 2021. A agência de fact-checking Lupa considerou que o texto do manifesto se baseia em dados falsos, em estudos inconclusos e em análises sem chancela científica. O https://hcqmeta.com/, que aparece como o terceiro mais duradouro no cluster Lilás, com 153 dias, é uma das URLs interligadas a esse site, que é foco recorrente de atenção dos institutos científicos preocupados com a propagação de dados e de informações incorretas em redes estratégicas.

Outra URL de fonte primária, virologyj.biomedcentral.com/, mantém sua circulação prolongada em comunidades on-line pró-tratamento precoce no Brasil e no mundo. Com 146 dias de circulação, a forma como o estudo de 2005 tem sido utilizado em postagens de mídias sociais foi rebatida pela verificação de fatos da agência Reuters. Ao apurar o caso, a Reuters informa que “estudo que prova eficácia da cloroquina para Covid-19” tem como veredito o status de falso. A apuração esclarece que o experimento rodou em animais e não em humanos, tendo como foco o Sars-CoV (Síndrome Respiratória Aguda Grave), uma doença diferente do Sars-CoV-2 e que era alvo de preocupação naquele momento. A agência reitera que os estudos são inconclusivos sobre a eficácia dos fármacos cloroquina e hidroxicloroquina, e que efeitos adversos têm sido alertados. Adicionalmente, as URLs da página principal pleno.news, site de um grupo de mídia conservadora e evangélica conhecido por publicar conteúdo enganoso, e do blog http://www.papodepeso.com/ estão no rol dos que mais circulam no cluster Lilás, ambos com 149 dias de duração.

Tempo de vida (em dias) de URLs com reivindicação científica no Twitter
Período de análise: 1º de janeiro a 30 de maio de 2021


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A lista de URLs por tempo de vida (em dias) pode ser conferida na Tabela 1. Outros três links com presença no cluster Azul-claro estão entre aqueles que acumulam maior tempo de vida médio. No topo, está o link diariodocentrodomundo.com.br, um canal noticioso que se posiciona editorialmente à esquerda, com a notícia de que um médico defensor do tratamento precoce e crítico da OMS morreu de Covid-19, fato que foi veiculado por outros veículos. Em seguida, aparece a página ictq.com.br, do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade, uma instituição de ensino superior (IES) especializada no mercado farmacêutico e credenciada no MEC. A última URL que mais durou no cluster Azul-claro é da istoe.com.br, uma revista semanal tradicional, que noticia a morte de um pastor e ativista do tratamento precoce. Entre as dez URLs, há ainda uma do cluster Verde, do portal de notícias g1.globo.com, sobre a proibição do uso do medicamento hidroxicloroquina em países como França e Itália. Entre as URLs mais longevas, aquelas que são alvo de desmentidos e rebatidas pela comunidade científica estavam presentes, portanto, apenas no cluster Lilás.

3) Análise de predominância de domínios

Esta seção investiga o padrão de compartilhamento de fontes informativas dos clusters identificados no mapa de interações. Para isso, foram cruzados os domínios com os compartilhamentos dos clusters. Entre as publicações que fizeram reivindicações científicas no debate sobre Covid-19, foram identificados 1.156 domínios que geraram cerca de 300 mil menções, respostas e retuítes.

A primeira análise realizada utiliza uma métrica de exclusividade/predominância dos domínios compartilhados pelos perfis de cada cluster. Utiliza-se, junto à ideia de exclusividade, a proposta de predominância, pois os clusters podem compartilhar domínios que discordam, em postagens críticas. Assim, um domínio foi definido como exclusivo/predominante quando teve 90% dos seus compartilhamentos em apenas um cluster.

Domínios exclusivos/predominantes por cluster
Período de análise: 1º de janeiro a 31 de maio de 2021

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

. Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Na Tabela 2, nota-se que os clusters Lilás e Azul-claro apresentam a maior variedade de domínios distintos, com pouco mais de 740 domínios únicos. Esses clusters são também os que apresentam o maior número de domínios exclusivos/predominantes, com 44% e 31%, respectivamente. Os clusters Verde e Laranja, além de apresentarem menor número de domínios compartilhados (461 e 291, respectivamente), também obtiveram uma taxa muito baixa de domínios exclusivos/predominantes.

Esses dados ajudam a melhor compreender as dinâmicas estabelecidas pelos clusters identificados na coleta. O conjunto Lilás se apresenta como o mais isolado em relação às fontes informativas, o que converge com a observação realizada na seção anterior referente à forte presença de sites hiperpartidarizados entre seus links com mais menções, respostas e retuítes. A presença de veículos da imprensa tradicional, que vai se intensificando dos grupos Azul-claro e Verde ao Laranja, parece se relacionar a um padrão mais integrado em relação às fontes de informação mais usuais na discussão pública.

Ainda explorando a relação entre exclusividade/predominância e integração dos domínios compartilhados pelos clusters, foi realizada uma análise dos domínios que foram compartilhados por todos os clusters. Dos 1156 domínios identificados, apenas 156 foram compartilhados ao menos uma vez por todos os clusters e, desses, mais de 50% são domínios de veículos da imprensa tradicional.

Nessa lista de domínios compartilhados por todos os clusters, encontram-se 14 domínios de revistas científicas e autoridades sanitárias internacionais. A Tabela 3 mostra a distribuição do compartilhamento desses domínios por cluster.

>> Acesse o estudo completo aqui

3. CONCLUSÕES

O estudo dá seguimento aos esforços investigativos que avaliam como se deu o debate público em torno de discursos que mobilizam o estatuto científico mediado pelas plataformas de mídias sociais no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil. Do período de 1º de janeiro a 31 de maio de 2021, foi analisado um corpus que acumulou mais de 3 milhões de publicações no Twitter, abarcando mais de 42 mil links, foco de análise do estudo. De maneira geral, foi possível observar que as reivindicações de cientificidade estiveram fortemente direcionadas aos temas do tratamento de Covid-19, mais especificamente, o debate foi marcado por posicionamentos favoráveis ou contrários ao uso de fármacos de tratamento precoce, sendo as medidas sanitárias e a vacinação assuntos tratados perifericamente. Os dados confirmam, ainda, o predomínio de perfis e grupos alinhados ao governo federal, em presença e engajamento. Esse segmento recorre a argumentos pretensamente científicos para validar e defender tratamentos e medicamentos refutados reiteradamente pela comunidade científica. A presença expressiva de canais de mídia hiperpartidarizada — frequentemente apontados como responsáveis pela circulação de conteúdos enganosos — reforça a ênfase na disputa política em torno da temática, além disso, os links oriundos de periódicos científicos, quando mobilizados, pouco seguem o nexo que rege o campo científico ou são provenientes de sites pseudocientíficos, sendo alvos constantes de desmentidos por parte da imprensa e de institutos científicos estabelecidos. Nos demais grupos observados, a disputa em torno dos temas também segue predominantemente balizada por fontes que tomam posição político-partidária, como quando canais informativos dos campos da esquerda ou da direita, que têm audiência fidelizada, mobilizam a crítica ao governo federal ou a teses conspiratórias. Chama a atenção, além disso, o isolamento das fontes informativas mobilizadas nos distintos grupos, indicando que a informação circula de maneira muito restrita a agrupamentos específicos – esse caráter endógeno é principalmente percebido na comunidade que defende a eficácia do tratamento precoce, mas também no cluster de esquerda. Dessa forma, é possível compreender que as reivindicações de legitimidade científica foram incorporadas na disputa discursiva que caracteriza o cenário político do país, mas se manifesta especialmente em torno de um cluster dissonante que nega o conhecimento científico estabelecido para defender a causa do tratamento precoce.

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