Por Lúcia Xavier*
O espaço digital reflete, muitas vezes com uma lente de aumento, os mais diversos pensamentos e comportamentos praticados pelas pessoas e as instituições no seu dia a dia. É por isso que, cada vez mais, teremos dificuldades em separar as noções de “mundo real” e “mundo virtual”: somos seres únicos ampliando nossa participação nessas diferentes dimensões, cada vez mais complexas e interligadas.
Nesse contexto, o racismo patriarcal cisheteronormativo fundante da sociedade brasileira também se manifesta de forma contundente em sites, redes sociais e outros espaços digitais. Apesar de sua prática ser considerada crime no Brasil desde 1988, essa ideologia que prega a superioridade de uma raça sobre a outra ainda produz uma radical desigualdade no acesso a direitos e oportunidades.
As mulheres negras cis e trans, principal alvo do racismo, são atacadas diariamente no ambiente virtual – espaço ao qual, em geral, têm pouco acesso. Segundo a pesquisa TIC Domicílios (Cetic.Br/2019), apenas 33% das pessoas das classes C/E já usaram computador de mesa, notebook ou tablet e só 55% da população negra já usaram computador ao menos uma vez na vida. Exatamente por isso precisamos destacar e valorizar iniciativas de mulheres negras que têm disputado as redes com suas narrativas e ativismos, ajudando a fortalecer a participação cidadã e a democracia digital.
Fundada em janeiro de 2017 em parceria com Criola, a Rede Nacional de Ciberativistas em Defesa das Mulheres Negras passou a integrar iniciativas em todo o país para potencializar estratégias de comunicação desenvolvidas por mulheres negras que contestam narrativas racistas e sexistas no âmbito on-line e off-line. Elas se dedicam a visibilizar denúncias de violação dos direitos e a cobrar respostas à vulnerabilidade das mulheres negras no Brasil, de modo que essas ações resultem em mudanças nas políticas públicas que afetam a vida das mulheres negras e intensifiquem os processos participativos.
A plataforma Alyne foi idealizada em 2015 para ampliar as ações do mundo ciber e dar visibilidade à defesa dos direitos humanos das mulheres negras. Atualmente, a plataforma reúne artigos com reflexões sobre esses temas e resgata histórias de mulheres negras que, como Alyne Pimentel, tiveram suas vidas e direitos básicos negados.
Outras vezes, é preciso ir às ruas para mostrar que as redes digitais não podem ser vistas como uma “terra de ninguém”. Os crimes ali cometidos têm impacto real na vida das pessoas e precisam ser punidos. Para isso, também em 2015, Criola lançou a campanha “Racismo Virtual, Consequências Reais”. O conteúdo dos ataques racistas sofridos pela apresentadora Maju, da TV Globo, foram expostos em outdoors em frente à casa dos seus agressores, numa ação que gerou reflexão e ampla repercussão nacional e internacional.
As mulheres negras precisam ter acesso a todos os meios de exercer sua cidadania, sua liberdade de expressão e participação social. Na atual era em que vivemos, o direito à Comunicação passa obrigatoriamente pelo direito à internet, por equipamentos e outras ferramentas digitais aliadas à uma educação de qualidade. Precisamos exigir esse acesso e amplificar as vozes das mulheres negras pela construção de um país com justiça e igualdade.
Para saber mais sobre essas e outras iniciativas de Criola, clique aqui.
* Lúcia Xavier, é assistente social e coordenadora geral de Criola.
** Este artigo de curadoria é uma colaboração de FGV DAPP e Criola para o projeto Digitalização e Democracia no Brasil.
***As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, e por convidados, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.