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Curadoria | Syllabus sugere caminhos críticos para os estudos de desinformação on-line

Documento reflete sobre como a reprodução histórica de estereótipos e de ideias discriminatórias impacta os usos de mídias sociais hoje.

Por Tatiana Dourado

Documento elaborado por pesquisadores do Centro de Informação, Tecnologia e Vida Pública (CITAP – Universidade do Carolina do Norte), lançado em março de 2021, oferece um compilado de pontos pouco explorados pelo mainstream acadêmico dos estudos sobre desinformação e fake news. Este syllabus reúne ainda um conjunto de casos, que, embora voltados exclusivamente ao contexto norte-americano, converte-se em fonte interessante para situar e pensar, em perspectiva crítica, os atuais sistemas fragmentados de informação e comunicação capazes de, por vias digitais e interativas, subverter os valores, os processos e o sistema democrático hoje. O documento “Critical disinformation studies: a syllabus”, de autoria de Alice Marwick, Rachel Kuo, Shanice Jones Cameron e Moira Weigel, é gratuito e pode ser facilmente acessado na página https://citap.unc.edu/research/critical-disinfo/.

A vitória eleitoral e o subsequente governo de Donald Trump em 2016 redirecionou parte expressiva da atenção científica de diversas áreas do conhecimento a problemas como fake news (notícias fabricadas, ou fraudulentas), campanhas de desinformação, media hiper-partidários, populismo, discurso de ódio e extremismo on-line, entre outros fenômenos sociais complexos da atualidade. Apesar disso, as autoras pontuam que, no contexto investigado, os estudos de desinformação on-line, de maneira geral, quase sempre atribuem unicamente às plataformas a responsabilidade pela exposição dos usuários a conteúdos problemáticos, ao mesmo tempo em que exploram (e responsabilizam) pouco atores políticos, sociais e institucionais que são partícipes ativos desses processos. Sinalizam ainda que o conhecimento científico construído desde então leva a crer que indivíduos eram mais capazes de discernir “verdade” e “falsidade” em tempos pré-mídias sociais, e que deixam a literatura sobre manipulação informativa como tática de propaganda política um tanto quanto escanteada. 

Assim sendo, são quatro os pontos sensíveis levantados no documento e que são acompanhados de casos concretos para estudo e reflexão crítica: primeiro, o papel dos media como fonte de campanhas de desinformação – ou como fonte que espalha compreensões e entendimentos equivocados e discriminatórias de mundo, como estereótipos racistas e sobre pessoas que vivem com HIV; segundo, o mito de um passado epistemicamente consistente a partir dos media, mas que deixou à margem a epistemologia de grupos marginalizados; terceiro, a saliência de poderes intersetoriais e do apelo à identidade na cobertura dos media, em especial, os media partidários e hiper-partidários que promovem repetidamente valores relacionados à identidade branca. Nesse ponto, as autoras associam o apelo aos enquadramentos midiáticos baseados em identidade (branca) e o panorama de desigualdade racial à questão do partidarismo político identitário. São abordagens interessantes que convidam o campo a olhar outras condicionantes ideológicas e afetivas dos usuários (produtores e receptores de conteúdos), dos canais midiáticos e de diferentes atores sociais/institucionais que endossam a propagação viral de conteúdo de baixa qualidade informativa e/ou integralmente falso.

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*As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.

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